A manchete da Revista Popular de abril de 1859 chamava para
um artigo onde se discorria sobre o “amor do maravilhoso”,
a “curiosidade sempre ávida de mistérios, apaixonada
pelo desconhecido”. Segundo o articulista, os anos, não
modificariam esse gosto. “Tão poderoso e vivaz é
o instinto de credulidade que se não apelamos para o raciocínio,
admitimos os contos mais ridículos e extravagantes”, sublinhava.
Sim, as pessoas acreditavam em fatos aparentemente fantásticos.
Mas, não deviam. Afinal, eles eram construídos pela imaginação
humana. O bom senso devia prevalecer, sempre. Porém… Porém
fatos recentes tinham prendido a atenção dos homens mais
esclarecidos:
“Passava a feitiçaria
por morta, bem morta; longe disso está viva como nunca”
– admirava-se o articulista. “crentes ou incrédulos,
todos nos vemos obrigados a contar com esta potência misteriosa
e a prestar-lhe alguma atenção [...] É, pois,
hoje um fato consumado: a magia renasce vigorosa no século
XIX” – concluía.
Os feiticeiros modernos não freqüentavam
mais missas negras ou dançavam sobre o túmulo dos bispos.
E sim, faziam as mesas falar, evocavam os defuntos e conversavam com
almas boas ou más. Reabilitava-se a magia que nos séculos
anteriores não tinha outro fim do que o Mal. Agora, só
obrava o Bem. O assunto interessava os estudiosos de história,
filosofia, teologia e ciências. Os céticos que ousassem
discordar, se viam esmagados pelo número de crentes. Não
havia meio de negar. Os fatos se evidenciavam: as mesas volantes só
não voavam pelas janelas. As “corporações
científicas” tinham medo de confessar: tratava-se de “fenômenos
sobrenaturais”. Explicação? A “força
motriz”, uma faculdade da alma que obrava espontaneamente de acordo
com o pensamento ou o desejo.
“Poder estranho” ou “sugestão” são
palavras que tentavam definir a experiência do magnetismo. Ele
fora largamente usado na França em finais do século XVIII.
Seu fundador, o austríaco Franz Anton Mesmer, afirmava que existia
um fluído que cercava e penetrava os corpos. Denominou-o “magnetismo
animal” e, a partir de seus experimentos, desenvolveu tratamentos
de cura para doenças as mais variadas. Mesmer acreditava que
as moléstias advinham da ação descontrolada do
fluxo vital. Para direcioná-lo, se usavam as mãos, toques
e massagens em certas partes do corpo. Ser tocado por ele era a ambição
de três quartos dos parisienses, observou Alexandre Dumas. Até
Maria Antonieta, a rainha, o foi. A morte de Mesmer em 1815, não
significou o fim dos experimentos. Curas por meio magnético seguiram
sendo usadas por leigos ou médicos.
Em 1835, um grupo de pesquisadores ligados à Faculdade de Medicina
de Paris retomou o assunto, dedicando-se ao chamado “sonambulismo”.
Em meados do século, “mesmeristas” cediam lugar aos
“sonâmbulos” tanto no diagnóstico quanto nos
tratamentos de cura. Acreditava-se que, quando em sono profundo, chamado
também de “sono lúcido”, os sonâmbulos
se libertavam das limitações do corpo físico, passando
para o Outro lado. Com a visão ampliada, eram capazes de ver
através dos corpos. Podiam, assim, detectar doenças, apontar
órgãos fragilizados e fazer previsões. Podiam ver
no Além, espíritos e habitantes de mundos extraterrestres.
E, por fim, tinham informações sobre o passado e o futuro.
Os contemporâneos achavam tudo isso natural e real, pois o sonambulismo
se inscrevia no quadro de uma ciência: o magnetismo. A sonâmbula
rapidamente encontraria seu lugar ao lado de médicos e físicos.
Médicos alienistas acreditavam que, graças às emanações
deste “maravilhoso instrumento da Criação”,
dois cérebros distintos podiam se comunicar. O estado sonambúlico
aumentava as capacidades sensoriais. A audição se tornava
extremamente sensível assim como a visão interior capaz
de detectar doenças. Histéricas e epiléticos, possuidores
de “cérebros irritáveis” eram os melhores
agentes para o sucesso da prática sonambúlica. Esse mesmo
sucesso que a tornou bem recebida nos hospitais franceses, onde visões
de sonâmbulas foram usadas na redução de dores crônicas
ou com função analgésica e anestésica.
A idéia do magnetismo e do sonâmbulo que mergulhava no
chamado “sono magnético” se propagou graças
às descobertas da eletricidade. Essa estranha sensação
imprecisa, incerta e problemática, o sonambulismo, anunciava
um estado alterado de consciência. E tal disfuncionamento ora
parecia ligado à hipnose ora a um estado mais profundo e mais
difícil de definir. A indeterminação era a sua
riqueza tornando o sonambulismo e depois a mediunidade verdadeiros ritos
de transe, ao mesmo tempo em que uma forma de comunicação
com o Além ou de terapêutica de si e dos outros.
Alexandre Dumas, muito lido no Brasil, adorava magnetizar e difundiu
a idéia do magnetismo em seus romances. Balzac e George Sand
participavam a espetáculos de ilusionismo e magnetização.
Magnetismo e sonambulismo se mantiveram como práticas eficientes
no terreno da cura e da ciência. Já o espiritismo e a cartomancia
eram jogados na mesma cesta, como se vê neste editorial do Diário
de Notícias de dezembro de 1870:
“ (…) O espiritismo consiste
no poder de fazer comparecer espíritos, isto é, de fazer
sair do pó das catacumbas aqueles que nela foram depositados
há longo tempo, isto afim de virem responder as questões
que se lhe propõe. Se no magnetismo, e no sonambulismo, achamos
alguma cousa realmente existente, aqui nada se encontra que não
seja pura fantasmagoria; nada, absolutamente nada, existe de admissível
em tão grosseiro charlatanismo e faz pasmar que homens que
campam de inteligentes, se deixem levar pelos espetáculos grosseiros
de uma nigromancia digna de séculos mais afastados; será
porque á testa dos espiritistas se acha alguém que possa
merecer-lhe importância e crédito? Talvez. (…)”.
Os espíritas tiveram trabalho
em explicar que a doutrina que seguiam nada tinha de fantástico.
Multiplicavam-se as cartas nos jornais explicando os limites entre o
que se considerava necromancia e os textos de Kardec.
“- Lemos lá e casa o
seu artigo. Ficamos admirados; pois tu acreditas em mesas giratórias
e outras coisas assim?
- Não se trata de nada disso, homem. Allan
Kardec, espiritismo e filosofia, são coisas diferentes da mesa
de girar. É uma teoria filosófica, e como tal é
que eu recomendava o sistema (…); reconheço que são
obras transcendentais que não tem fácil extração
como o romance e a novela tanto em moda entre nós. Recomendo
Allan Kardec como autor apreciável em filosofia, e vem logo
um que não leu, dar-me entrada na confraria das mesas giratórias,
e coisas semelhantes”.
Com a divulgação crescente do magnetismo
e do espiritismo, aumentou o número de pessoas que trocavam práticas
ancestrais de feitiçaria afro-brasileira pela cartomante, o magnetizador
ou a sonâmbula. Moda francesa! Abandonava-se a cultura tradicional
pela nova. As brechas abertas pelo magnetismo deixavam entrar a doutrina
de Kardec, que aqui fez milhões de adeptos e tem uma bela história.

Allan Kardec queria provar que sua doutrina não
tinha nada de magia.
Fonte:
http://historiahoje.com/?p=5340
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