A vida do barão de Santo Ângelo
era dura. O título que recebeu tardiamente não lhe dava
nenhuma regalia. Nasceu e morreu pobre. Dos maiores artistas do país,
ele não tinha dúvidas: no Brasil, a arte era um “elemento
de luxo individual e não um elemento de civilização”.
O baronato veio em 1874, quando sua situação financeira
e saúde se deterioravam. Manuel José de Araújo
Porto-Alegre, o futuro barão, nascido a 29 de novembro de 1806,
foi para a corte aos 21 anos estudar desenho com o artista francês
Jean-Baptiste Debret na Academia Imperial de Belas Artes. Era conhecido
entre seus pares como “o homem-tudo”: poeta, escritor, jornalista,
arquiteto, orador, crítico e historiador da arte e diplomata.
Protegido do mordomo do imperador, Paulo Barbosa da Silva, se aproximou
de dom Pedro II, de quem se tornou amigo. Depositava no governante todas
as suas esperanças de melhoria do país. E entusiasmava-se:
“Senhor, moço como
sois, podeis abarcar esse império de um extremo ao outro e
levantá-lo ao nível das nações mais nobres”.
Em carta a dom Pedro II, após
o fim da Guerra do Paraguai, rabiscou um enunciado dramático:
“o Brasil às vésperas de um triunfo ou de uma catástrofe”.
E, nas linhas a seguir, assumiu, sem disfarces, o discurso espírita,
ditando ao soberano o que fazer:
As minhas apreensões são
grandes, maiores são minhas esperanças porque confio
em Deus. Nada será, Senhor, se Vossa Majestade Imperial começar
já o remonte de sua Grande Missão, a que o colocará
no céu, ao lado de Deus, e na Terra, a par dos maiores homens
da humanidade.
Os soberanos de sua natureza são
mandados; e Vossa Majestade Imperial tem de ser o apóstolo
da verdadeira liberdade da regeneração do Brasil e o
imortal criador da segunda via do Império Americano sem a qual
ele deixará de existir.
Há princípios nos
quais está Deus e os homens. O primeiro vive eternamente e
os segundos morrem como coisas transitórias [...] A medicina
social é mais difícil do que a corporal porque deve
curar e impedir as moléstias. Prevenir as coisas a tempo e
impedir desastres é a sabedoria [...] Vossa Majestade Imperial,
além de outros pactos, já teve dons bem extraordinários,
que bel lhe mostraram que é protegido por Deus e de que este
o guarda para cumprir uma santa e grande missão na Terra!
Mas o grande inimigo, segundo os espíritos,
martelava Porto-Alegre, era a escravidão, “pústula
gangrenosa que procede de vícios internos” e que fazia
dos “déspotas em casa” maus cidadãos na rua.
E a Dom Pedro, “Imortal benfeitor”, pedia:
Acabai com a escravidão,
Senhor. Porque Deus assim deter- mina e porque vos falo em Seu Nome.
Aos pés da estátua de Vossa Majestade se colocarão
emblemas marciais, troféus de vitória, as recordações
e todos os florões do mais belo simbolismo. Mas nenhuma dessas
coisas falará tanto ao coração humano como as
imagens desses escravos livres, sorrindo em grata adoração
por seu Imortal Redentor.
Dom Pedro levou a sério as recomendações?
Certamente, não, mas talvez ainda se lembrasse da premonitória
correspondência no dia em que foi traído pelo golpe republicano…
E como Porto-Alegre sabia de tudo isso? Resposta: “Estou vendo
porque minha alma está no futuro”.
Mary del Priore
“Do Outro Lado - a História do Sobrenatural e do Espiritismo”,
Editora Planeta, 2014.

A família imperial.
Fonte:
http://historiahoje.com/?p=4241
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