1 - CONSIDERAÇÕES GERAIS
O Espiritismo como doutrina
filosófica é constituído por um conjunto de princípios que servem
de base à elaboração de suas posições no campo filosófico, religioso
e político. Esses princípios, estabelecidos pelos espíritos em O
Livro dos Espíritos, tocam todas as questões
da vida humana em seus múltiplos aspectos: religioso, político, psicológico,
físico etc.
Em O
Livro dos Espíritos esses princípios aparecem enunciados
de forma embrionária e seu desenvolvimento dependerá de nossos estudos,
na pesquisa das consequências das premissas aí estabelecidas pelo plano
espiritual. Desse modo, o Espiritismo não se caracteriza pela posição
acabada dos sistemas filosóficos, mas foge do espírito de sistema [1],
mantendo-se aberto a posições diferentes, desde que embasadas nos princípios
estabelecidos em sua doutrina filosófica.
Essas considerações
são de grande valia para compreendermos o espírito antidogmático e primordialmente
democrático que embasa a Codificação e que por isso deverá permitir
sempre que o movimento espírita adote posições diversas e diferentes
soluções, especialmente nas questões onde a ciência ainda não tenha
estabelecido suas verdades práticas [2], ou seja, nas questões onde
se trabalhem teorias e onde se testem hipóteses.
É dentro dessa
visão que iremos analisar as posições ou princípios estabelecidos pelos
espíritos no livro base da Doutrina, O Livro dos Espíritos,
quanto às questões sociais. Analisaremos também as consequências desses
princípios.
2 - ESPIRITISMO E DIREITOS HUMANOS
A parte III de
O Livro dos Espíritos, ao estudar a Lei Divina
inscrita em nossas consciências, estabelece também claramente os direitos
humanos.
Na Lei da Adoração
fica demonstrado o direito de culto e pontifica a liberdade de ritos,
embora esteja firmada a ação para o bem como a melhor forma de adoração
(questão nº 654).
Na Lei do Trabalho,
estabelece a necessidade do trabalho para todos, considerando-o como
expiação e meio de aperfeiçoamento da inteligência sem o qual o homem
não se desenvolve (questão nº 676).
Como consequência
dessa posição, o espírita não pode estar concorde com sistemas políticos
que favoreçam a recessão, aumentem o desemprego, nem com sistemas que
exijam do homem trabalho além de suas forças ou tipos de atividades
em que não se possa aperfeiçoar a inteligência (questões nº 67º, 683,
684 e 685-a).
Na Lei da Reprodução,
defende o direito à união sexual monogâmica, o direito à vida da mãe
acima do direito à vida do feto, combate o controle da reprodução para
satisfação de prazeres egoísticos ou a pura sensualidade. Como consequência,
o espírita não pode ser a favor da poligamia, não apoiará nenhum movimento
que vise a satisfação do egoísmo humano, mas buscará sempre regular
a reprodução de acordo com a necessidade (questão nº 693-a).
A Lei da Conservação,
muito pouco estudada, traz posições político-filosóficas de suma importância.
A vida física,
sendo necessária ao aperfeiçoamento dos seres, e não somente um castigo
(questões nº 702 e 703), deve ser preservada e para isso a Terra produz
o necessário a todos que a habitam.
Na Lei da Conservação
está estabelecido como princípio doutrinário que só o necessário é útil,
o supérfluo nunca o é (questão nº 704). Fica estabelecido também que
o uso dos bens da Terra é um direito de todos os homens (questão nº
711), e definido por bens da Terra, tudo o que o homem produz (questão
nº 706).
Ora, a consequência
desses princípios é clara: todos os homens têm direito à abundância
de que alguns apenas desfrutam e coisas que são supérfluas não são úteis.
Assim, sistemas político-sociais que estimulem o consumo indiscriminado,
que aumentem as necessidades até o supérfluo, ou que impeçam pessoas
de ter acesso aos bens produzidos e necessários à vida humana, não podem
ser aceitos pelos espíritas.
Na Lei da Destruição
fica claro o direito do homem de destruir para renovar e melhorar. A
destruição desnecessária não é direito de ninguém, é uma violação à
Lei Divina (questão nº 735).
A consequência
desse princípio é o respeito aos limites traçados pela própria natureza,
às cadeias ecológicas, ao solo, às águas, enfim, ao direito à vida de
todas as coisas e não apenas da vida humana.
As guerras fomentadas
por homens que delas tiram proveito deverão desaparecer. O espírita
é assim em todas as situações contrário às guerras, consciente de que
elas atendem a interesses de grupos que as fomentam (questão nº 745).
A Lei da Sociedade
mostra o direito do ser humano aos laços sociais, à convivência, à família
(questão nº 774).
Isto leva a compreender
o absurdo dos sistemas sociais que relegam milhões de crianças à marginalidade,
que impedem a convivência familiar, que isolam o velho, o jovem, a criança,
o doente mental...
A Lei do Progresso
mostra o direito do homem, a civilização e, por consequência, o absurdo
do isolamento do homem do campo, da marginalidade de populações da periferia,
a ausência de arte, de tempo para cultura, de cursos para aperfeiçoamento
contínuo do homem. (questões nº 775 e 776).
A Lei da Igualdade
mostra que a desigualdade das condições sociais é obra do homem e que
deverá desaparecer no futuro, quando haverá tão somente a desigualdade
do merecimento (questão nº 806).
Como consequência,
o espírita não pode aceitar sistemas sócio-político-econômicos que considerem
a desigualdade como fruto do mérito, admitindo que as classes sociais
se embasem na superioridade dos que dominam. Por isso é importante definir
o que é essa desigualdade de merecimento que deverá permanecer no futuro.
A Lei da Liberdade
estabelece o direito de liberdade de pensamento e de consciência, embora
deixe claro que em sociedade é impossível se gozar de liberdade absoluta
nos atos (questões nº 833, 837).
Cabe nessa questão
também estudar as várias formas de controle social, compatíveis com
a liberdade de pensamento para que possamos optar, segundo o nosso entendimento
pelo tipo de controle que consideramos melhor para a sociedade, uma
vez que não há possibilidade de uma liberdade de ação total.
É em questão
como essa que podem ser definidas objetivamente como — "que tipo de
censura pode o espírita aceitar?" — ou, — "em que consiste a desigualdade
do mérito?" — e que cabe ao movimento espírita apresentar várias teorias
e tentar várias soluções dentro do espírito democrático e a ausência
de dogmatismo que caracterizam e embasam o Espiritismo.
Deve ser também
objeto de estudos, com amplas e diversas posições, a definição do que
seja correto segundo os princípios doutrinários com relação ao direito
de propriedade. Isso porque na Codificação estão assentes dois princípios
relativos ao direito de acumular bens:
1º) Propriedade
legítima só é a que foi adquirida sem prejuízo de outrem.
2º) O direito
de viver confere ao homem o de ajuntar o que necessita para viver
e repousar quando não mais puder trabalhar, mas o homem deve fazê-lo
em família, como a abelha e não como o egoísta que ajunta para si
e para sua satisfação pessoal.
Esses dois princípios
precisam ser mais aprofundados para que definamos:
1º) Quando
eu prejudico meu semelhante ao adquirir uma propriedade. Eu o estarei
prejudicando se lhe pago um salário pequeno, se o faço trabalhar muito,
se exijo um trabalho bem feito, se deixo de exigir coisas que irão
prejudicá-lo se não as fizer e que me beneficiarão, se fizer um "bom"
negócio, enquanto o outro faz um "mau"?
2º) Seria possível
organizar uma sociedade onde os homens somente pudessem ajuntar em
família como as abelhas? Como seria essa sociedade e que tipo de sistema
político permitiria tal prática? Que inconvenientes isso traria? (questões
nº 881 e 883).
Tudo isto somado
à afirmativa dos espíritos de que a origem da desigualdade das riquezas
é a desigualdade das faculdades aliadas à velhacaria e ao roubo (questão
nº 808), que o desejo de ser rico dificilmente é puro (questão nº 902)
deve nos fazer pensar em como seria possível preservar a desigualdade
do mérito, sem cair na velhacaria e no roubo e como ao mesmo tempo respeitar
os princípios estabelecidos para o acúmulo de riquezas.
3 - ESPIRITISMO E ECOLOGIA
Se há campo para
debates, estudos mais profundos e posicionamentos diversos quanto às
questões dos direitos à propriedade, à liberdade, à igualdade, à questão
da preservação do meio ambiente, do uso da natureza com parcimônia e
respeito, o reconhecimento das condições diversas do ambiente e sua
ação sobre o homem, estão clara e inequivocamente definidos nos princípios
estabelecidos pelos espíritos.
Um aprofundado
estudo da ecologia seria desejável para todo espírita e os órgãos de
unificação deveriam abrir mais espaço para formar nos espíritas uma
consciência ecológica mais atuante.
As questões citadas
abaixo ajudam a esclarecer como o Espiritismo defende a preservação
da Natureza em seus princípios.
Na questão nº
677 da Lei do Trabalho está clara a função dos animais e vegetais no
equilíbrio da Natureza.
A Lei da Destruição
e a da Conservação trazem implícitos os princípios das modernas correntes
ecológicas. Definem o necessário e o supérfluo (questões nº 716, 717),
estabelecem os limites ao bem estar humano que não pode ser conquistado
às expensas do outro, nem nos enfraquecer o físico ou o moral (questão
nº 719), definem a destruição como uma lei natural (questões nº 731
e 734 ) mas estabelecem a distinção entre crueldade e destruição (item
V - questões 752 a 754).
CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
(1) Ver citação
de Herculano Pires em Introdução à Filosofia Espírita
- Cap. III - item 2.
(2) KARDEC, Allan em "A Gênese", cap. I, item
55.
Aylton Guido Coimbra Paiva, escritor
e bacharel em ciências jurídicas e sociais, reside em Lins-SP. É diretor
do Departamento de Assistência e Promoção Social da USE - União das
Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, presidente do Instituto
Espírita de Estudos e Pesquisas Sociais, do Hospital Espírita dr.
Adolfo Bezerra de Menezes, de Lins-SP. Escreveu os livros Espiritismo
e Política, O Espiritismo e a Política para a Nova Sociedade e Centro
Espírita.