Uma palavra que nestes últimos anos vem ganhando
espaço em algumas áreas do pensamento humano, inclusive
nos meios espíritas, é alteridade. É o VALOR,
por excelência. É o mais importante mecanismo para
o crescimento do homem como ser social, que pode levá-lo
a interagir pacífica e beneficamente com tudo que o cerca.
É, sem dúvida, o veículo capaz de conduzir
a humanidade para a tão esperada nova era.
Na questão 621 de O Livro dos Espíritos,
Kardec pergunta onde estão escritas as leis de Deus, obtendo
a seguinte resposta:
“Na consciência”.
Refletindo sobre as implicações da
prática da alteridade pelos seres humanos, pode-se afirmar
que esse é um valor que está escrito em nossas consciências
e que somente agora começa a ser descoberto, quando já
se podem vislumbrar alguns tênues clarões a indicarem
a aurora de um novo tempo. Seu significado reflete uma nova mentalidade,
aquela que deverá vigorar na civilização que,
certamente, irá transformar a Terra num mundo de regeneração
porque se refere à aceitação das diferenças;
também significa a não-indiferença, o amar
ou ser responsável pelo outro, o aprender com os diferentes,
aceitando e respeitando-os em suas diferenças. A propósito,
devemos lembrar que todos os seres humanos são diferentes
uns dos outros.
A postura alteritária nos
leva a ver todos com bons olhos, lembrando as palavras de Jesus:
“Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será
luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu
corpo estará em trevas.” (Mateus 6:22 e 23)
Para um bom convívio é imprescindível
haver alteridade, porque ela favorece a pacificação,
o bom entendimento (não fingido) entre grupos e pessoas,
um relacionamento maduro, fraterno e respeitoso.
Além disso, a cultura da alteridade nos favorece
um “status” interno de leveza, harmonia e bem-estar,
porque nos habilita a olhar a tudo e a todos com “bons olhos”.
Muitas vezes, em nossa cultura não alteritária,
olhamos para o outro com olhar que se detém em seu lado negativo,
ou seja, naquilo que a nossa ótica possa condenar, achar
errado e criticar. Assim, mesmo sem perceber, estamos nos erigindo
como modelos e descartando ou minimizando aqueles cujos valores
sejam diferentes dos nossos.
Atitudes assim pesam em nossa evolução,
atrasando-a. Além disso, atuam como verdadeira industria
de energias negativas, ao passo que uma postura alteritária
gera energias mais leves, benfazejas. Quer comprovar? Faça
uma experiência: olhe para qualquer pessoa procurando ver
nela alguém que traz em si, em sua individualidade, conteúdos
adquiridos em longas jornadas reencarnatórias, marcadas por
dores e alegrias, ora como vítima, ora como algoz, aprendendo
no bojo do tempo e das experiências os valores que hão
de predominar no seu futuro, próximo ou distante. Veja nessa
pessoa, seja ela quem for, uma vida em crescimento, com suas sombras
e sua luz, com todo o direito de vivenciar suas experiências
como melhor entender. Mas veja nela também um caminhante-irmão
nos longos percursos cósmicos, tão amado e tão
assistido quanto você mesmo pelos “poderes mais altos”.
Olhe-a com respeito e procure sentir como o amor universal está
presente em tudo e em todos, em você e nela.
Observe em seguida o quanto essa forma de “ver”
o outro lhe fez bem; como faz bem nos sentirmos partícipes
da vida e do universo, caminhando lado a lado com os demais, respeitando
a todos em suas diferenças.
Em seguida olhe para alguma pessoa (pode ser a mesma)
com aquele olhar crítico que classifica, julga, seleciona
e discrimina. Teça suas críticas e emita seus julgamentos,
vendo-a pela ótica discriminatória e, em seguida,
observe o tipo de ambiente íntimo que criou para si próprio.
Assim, é possível imaginar o tipo
de ambientes que são criados nas instituições
espíritas onde a alteridade não está presente.
Outro fator que concorre poderosamente para criar
ambientes pesados em alguns centros é a “cultura do
sofrimento”, que foi instituída no mundo cristão
e da qual muitos espíritas herdaram alguns resquícios.
Essa cultura reflete a mentalidade que vigorava nas teias da Inquisição,
e ainda vigora na Igreja Católica, entendendo ser necessário
fazer o corpo sofrer para salvar a alma, ou seja, sempre a “salvação”
pelas vias do sofrimento. Até mesmo a crucificação
de Jesus foi e continua a ser vista no mundo cristão pela
mesma ótica.
Mas desde alguns anos, felizmente, vem
surgindo nos meios espíritas a idéia do crescimento
interior substituindo a cruz. Esta, sem dúvida, é
necessária, tanto como fator de resgate, quanto como força
propulsora de evolução espiritual. Entretanto, sempre
é possível tornarmos a nossa cruz mais leve e, em
alguns casos, até mesmo nos livrarmos dela.
Se, como tudo indica, já estamos entrando
na etapa em que nosso mundo irá transitar da condição
de expiação para a de regeneração, também
precisamos começar a pensar por outros enfoques, mudar alguns
paradigmas. É preciso acompanhar a evolução,
nos colocarmos na sua dianteira, como integrantes da doutrina progressista
que professamos e divulgamos.
Estamos num momento em que forças evolutivas
nos atraem para o progresso, enquanto outras retrógradas,
muitas vezes por falta de informação, procuram atrapalhar
a marcha.
Exemplo disso podemos encontrar nos muitos companheiros
que, talvez por não se “debruçarem” com
sinceridade e sem preconceitos sobre alguns temas importantes, condenam
a alteridade e outros valores que vêm sendo introduzidos nos
meios espíritas, como, por exemplo, as oficinas voltadas
ao crescimento interior e a auto-ajuda, afirmando que ferem a pureza
doutrinária. No entanto, se cuidassem de analisar melhor
essas questões, perceberiam que a alteridade é indispensável
para implementar a paz e impulsionar a evolução e
as oficinas em referência, assim como a auto-ajuda refletem
justamente a essência dos ensinamentos espíritas e
dos ensinos de Jesus, representando aquele esforço a mais
que alguém faz para conhecer a si mesmo, erguer-se e começar
a caminhar com os próprios pés. É o crescimento
interior roteirizado, sistematizado e priorizado. É o aprofundar
em questões que a Psicologia e outras ciências estudam
e conhecem melhor, permitindo mais seguras orientações
visando esse crescimento, em busca de plenitude.
Importa lembrar que o Mestre dizia: “Levanta-te
e anda”, e essa ordem também vale para a evolução
espiritual do ser. Levantar-se com a ajuda dos irmãos maiores
e aprender a andar, ou seja, a desenvolver os próprios valores
latentes.
Ao contrário do que muitos espíritas
apregoam, auto-ajudar-se significa desenvolver recursos internos
para transformar velhas viciações da alma em valores,
naquelas mesmas virtudes que Jesus ensinou; buscar meios para construir
em si mesmo a paz, a harmonia e o equilíbrio; cuidar melhor
do interior, para que o corpo responda com saúde e bem-estar.
Pela “cultura do sofrimento” o espírita
não é uma pessoa feliz, alegre, de bem com a vida;
deve ter sempre presente a sua realidade de “grande devedor”
que, por misericórdia divina, está tendo a oportunidade
de carregar seu pesado carma, arrastando-o vida afora. Só
a esperança de vir a ser feliz depois que retornar ao mundo
espiritual, lhe abranda as angústias interiores e enxuga
algumas das lágrimas que lhe escorrem pelo rosto.
Mas será que Deus criou os seres para
sofrerem?
Muitas pessoas terminam de cumprir seus “resgates
cármicos” e continuam sofrendo pesadamente, porque
cultivaram o sofrimento que permaneceu ativo em seus perispíritos
e acabou danificando órgãos e sistemas. Assim, carregados
de achaques e problemas com a saúde continuam a cultivar
estados de espírito negativos, depressivos, lamentosos, gerando
cada vez mais energias pesadas, num círculo vicioso que só
se rompe, com profundas mudanças internas.
Para quem estranhar falarmos em energias pesadas
ou leves, lembramos aquelas pesquisas realizadas em universidades,
divulgadas pela mídia, em que grupos de pessoas vibravam
com ódio contra plantas e estas murchavam, ficavam mirradas
e até mesmo morriam, enquanto outras que recebiam vibrações
de vida e alegria ficavam cada vez mais viçosas. Essas experiências
comprovaram a existência de energias benéficas e maléficas
que atingem o alvo e geram efeitos. O mesmo com relação
aos doentes que recebiam orações e apresentavam significativas
melhoras.
Não vamos, pois, continuar impondo o peso
do carma aos companheiros de ideal espírita, nem aos que
transitam pelos nossos arraiais. Ao contrário, busquemos
ajudá-los a se libertarem de todos os pesos desnecessários;
a entenderem que a evolução é como uma caminhada
em direção ao topo de alta montanha, e que ela pode
ser feita com alegria no coração e passos mais leves
no caminho, lembrando que a alegria é verdadeiro elixir de
vida, gerador de poderosas energias necessárias para sustentar
nossa jornada e torná-la mais leve.
Disse certa vez um espírito amigo
que o Evangelho é a mais alegre das filosofias e o maior
dos sorrisos na história do pensamento humano.
Por que então nutrir sentimentos pesados,
ou imaginar fardos cármicos e neles ficar presos pelos fios
do pensamento?
Muito melhor e mais saudável é mudarmos
nossa ótica, passando a ver o sofrimento como alavanca para
nossa evolução, como a necessária dor do crescimento
espiritual. Com esse enfoque podemos pegar nossas “penas”,
colocá-las dentro de um saco pintado com cores claras e com
flores, jogá-lo às costas e partir para a vida, cantando
a alegria de viver e de amar. Com esse enfoque podemos transformar
o centro espírita num ambiente leve, num local alegre onde
nos reunimos, não para pagar culpas, mas para adquirir um
pouco mais de luz, um pouco mais de valores visando enriquecer nossa
alma, promovendo assim, nosso crescimento interior.
As responsabilidades que assumimos com o trabalho
na seara espírita e o respeito que lhe devemos, não
precisam revestir-se com ar carrancudo, mas devem refletir-se em
atitudes que iluminam, levantam, fortalecem, tornando o ambiente
mais fraterno e mais feliz.
Se os espíritos dizem que centro espírita
é um hospital, devemos entender que nós que ali militamos,
formamos a equipe de trabalho e não o conjunto dos pacientes.
Certamente também temos as nossas enfermidade da alma que
devemos tratar com todo cuidado, mas mantendo sempre uma postura
positiva, de soerguimento, para transmitir aos pacientes e ao próprio
ambiente vibrações de esperança, de fraternidade
e de alegria. Lembremos a importância da alegria num hospital;
daqueles grupos de pessoas que os visitam, vestidos de palhaços
e fazendo brincadeiras, ou tocando e cantando coisas alegres. É
público e notório o efeito benéfico produzido
nos enfermos.
Assim, se já estamos começando a vislumbrar
luzes além das curvas do caminho, que indicam estarmos iniciando
o processo de transição para o início de uma
nova era; se estamos ingressando no período das atitudes,
conforme disse Bezerra de Menezes, procuremos refletir sobre tudo
isto e, refletindo, pesando, analisando, certamente concluiremos
que essas atitudes de que fala contemplam valores como o
AMOR, a ALTERIDADE, a DECÊNCIA, o COMPANHEIRISMO,
a RESPONSABILIDADE e o CONTENTAMENTO ou ALEGRIA.
Se a presença de um espírito superior
nos transmite sentimentos de amor, de alteridade e de profundo júbilo,
isto demonstra que esses valores são próprios dos
seres que habitam em mais elevados patamares, para onde estamos
caminhando.
Nada mais acertado, portanto, do que começarmos
nós também, desde já, a cultivá-los.
Saara Nousiainen
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