
São indagações que compõem o título
de belíssima página doutrinária escrita pelo
espírita Pedro de Camargo (1878-1966), mais conhecido como
Vinícius, encontrada em seu livro Em Torno do Mestre,
publicado pela FEB em 1939, cuja última edição,
a nona, data de 2009.
Com admirável criatividade, o autor analisa o significado
e o contexto do nascimento do Cristo, utilizando a entrevista como
recurso literário, então direcionada a sete conhecidas
personalidades do Evangelho, tendo como referência este registro
evangélico:
O verbo se fez carne e habitou entre nós,
cheio de graça e verdade, e vimos a sua glória como
de unigênito do Pai. Mas a todos os que o receberam, aos que
creem em seu nome, deu Ele o direito de se tornarem filhos de Deus;
os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne,
nem da vontade do homem, mas sim de Deus. (João, 1:4.)
A íntegra da entrevista de Vinícius,
com destaques nossos, é a que se segue:
Perguntemos a Paulo – onde
e quando Jesus nasceu? Ele nos dirá: Foi na estrada de Damasco,
quando eu, então intolerante e fanatizado por uma causa inglória,
me vi envolvido na sua divina luz. Dali por diante – “já
não sou eu mais que vive, mas o Cristo é que vive
em mim”.
Indaguemos de Madalena, onde e quando nasceu
Jesus. Ela nos informará: Jesus nasceu em Betânia,
certa vez em que sua voz, ungida de pureza e santidade, despertou
em mim a sensação de uma vida nova, com a qual, até
então, jamais sonhara.
Ouçamos o depoimento de Pedro, sobre
a natividade do Senhor, e ele assim se pronunciará:
Jesus nasceu no átrio do paço de Pilatos, no momento
em que o galo, cantando pela terceira vez, acordou minha consciência
para a verdadeira vida.Daí por diante, nunca mais vacilei
diante dos potentados do século, quando me era dado defender
a Justiça e proclamar a verdade, pois a força e o
poder do Cristo constituíram elementos integrantes de meu
próprio ser.
Chamemos à baila João Evangelista
e peçamos nos diga o que sabe acerca do natal do Messias,
e ele nos dirá: Jesus nasceu no dia em que meu entendimento,
iluminado pela sua divina graça, me fez saber que “Deus
é amor”.(1)
Dirijamo-nos a Zaqueu, o publicano, e eis
o seu testemunho: Jesus nasceu em Jericó, numa esplêndida
manhã de Sol, quando eu, ansioso por conhecê-lo, subi
numa árvore, à beira do caminho por onde Ele passava,
contentando-me com o ver de longe. Eis que Ele, amorável
e bom, acena-me, dizendo: “Zaqueu, desce, importa que me hospede
contigo”. Naquele dia entrou a salvação no meu
lar.
Interpelemos Tomé, o incrédulo:
Quando e onde nasceu o Mestre? Ele, por certo, retrucará:
Jesus nasceu em Jerusalém, naquele dia memorável e
inesquecível em que me foi dado testificar que a morte não
tinha poder sobre o Filho de Deus. Só então compreendi
o sentido de suas palavras: “Eu sou o Caminho, a Verdade e
a Vida”.
Apelemos, finalmente, para Dimas, o bom
ladrão: Onde e quando Jesus nasceu? Ele nos informará:
Jesus nasceu no topo do Calvário, precisamente quando a cegueira
e a maldade humanas supunham aniquilá-lo para sempre; dali
Ele me dirigiu um olhar repassado de piedade e de ternura, que me
fez esquecer todas as misérias deste mundo e antegozar as
delícias do paraíso. Desde logo, senti-o em mim e
eu nele. (2)
As respostas transmitidas pelos entrevistados nos
fazem ver que o nascimento do Cristo, o local e a data, representam,
efetivamente, o exato momento do despertar da nossa consciência
para a sublimidade do Amor, ensinado e exemplificado por Jesus.
Para a Doutrina Espírita, Jesus é
e sempre será “o tipo mais perfeito que Deus já
ofereceu ao homem para lhe servir de guia e modelo”. (3)
É válido, porém, deixar registrado que
no meio acadêmico e entre os historiadores do Cristianismo
configura-se nova metodologia de estudo da figura ímpar de
Jesus, denominada Jesus Histórico. Trata-se
de estudo crítico que não considera os axiomas religiosos
e teológicos tradicionais nem os determinismos bíblicos
que, na generalidade, revelam o Mestre Nazareno como o Filho de
Deus ou o Messias prometido para a salvação da Humanidade.
Embora as reconstruções históricas
variem, são concordantes em dois pontos: Jesus era um rabino
judeu, que atraiu um pequeno grupo de galileus e, após um
período de pregação, foi crucificado pelos
romanos na Palestina, sob instigação dos sacerdotes
judeus, durante o governo de Pôncio Pilatos.
A busca pelo Jesus Histórico
foi iniciada pelo filósofo deísta alemão Hermann
Samuel Reimarus (1694-1768) que, junto com outros estudiosos, passaram
a duvidar da historicidade relatada pelos textos sagrados, aceita
sem controvérsias até o século XVIII, quando
surgiu o movimento iluminista na Europa.Após a Primeira Guerra
Mundial, os teólogos alemães Martin Dibelius (1883-1947)
e Rudolf Karl Bultmann (1884-1976) compararam a mensagem original
de Jesus (do Novo Testamento) à de outros textos, provenientes
da época da igreja primitiva, identificando pontos concordantes
e discordantes. Empregaram, então, dois métodos para
chegarem às conclusões finais, publicadas posteriormente:
a) Redação criticista
– trata-se de uma investigação a respeito de
como cada escritor do Evangelho compilou seu livro, seguida de comparação
com outros escritos e, também, com fontes orais;
b) Crítica formal – concluíram
que os evangelhos (segundo Mateus,Marcos, Lucas e João) não
foram escritos completos, originalmente, tal como os conhecemos
nos dias atuais. Na verdade, são coleções de
fatos separados, de tradições orais, mitos ou parábolas,
propositalmente agrupados para formar uma coletânea, artificialmente
elaborada, e destinada a divulgar práticas da igreja antiga.
Dessa forma, a crítica formal tenta reconstruir os episódios
originais, separando o que é fato histórico e o que
é inclusão artificial.
Há outro ponto relevante: na busca pelo Jesus Histórico,
alguns estudiosos fundamentam-se na chamada Fonte Q (de Quelle,
nome alemão para fonte), uma coleção de Ditos
de Jesus, que é uma tradição, oral ou escrita
– não se sabe ao certo – amplamente difundida
no mundo cristão da primeira metade do século I, e
que serviu de base para a escritura dos evangelhos sinóticos,
assim como para alguns apócrifos. Sendo assim, o documento
Q, ou fonte Q, é hipoteticamente considerado como sendo o
primeiro texto evangélico escrito, e que teria sido utilizado,
mais tarde, por Mateus e Lucas, mas não por Marcos, na redação
dos seus escritos, fato que justificaria as coincidências
presentes no Evangelho de Lucas e de Mateus, e as diferenças
com o de Marcos.
Em suma, munidos dos novos instrumentos da pesquisa
hodierna, tais como história antiga, crítica literária,
crítica textual, filologia, papirologia, arqueologia, geografia,
religião comparada, os atuais pesquisadores tentam reconstruir
o ambiente sociocultural de Jesus, de modo a experimentar o efeito
que as palavras do Mestre produziram nos ouvintes da sua época.
Nesse esforço, procura-se evitar juízos preconcebidos,
premissas rígidas, preconceitos étnicos, deixando
que a mensagem se estabeleça ainda que contrariamente às
expectativas dos crentes atuais. No entanto, ao montar o
quebra-cabeça da história do Cristianismo Primitivo
com as escassas peças disponíveis, nem sempre
é possível ao pesquisador humano dispensar certa dose
de imaginação. (4)
Uma evidência poderosa já se destaca
das conclusões dos pesquisadores: a grandeza do Cristo e
a sublimidade da sua mensagem. Parâmetros pelos quais devemos
nos guiar, sem jamais perder de vista qual é a plataforma
do Mestre, como ensina Emmanuel:
Anunciou-nos a celeste revelação que
Ele viria salvar-nos de nossos próprios pecados, libertar-nos
da cadeia de nossos próprios erros, afastando-nos do egoísmo
e do orgulho que ainda legislam para o nosso mundo consciencial.
(5)
Assim, ante a bênção de mais
um Natal, enderecemos ao Mestre a nossa eterna gratidão,
louvando-o por meio dos vibrantes sentimentos do poeta Amaral Ornellas,
expressos no poema Ante Jesus, reproduzido nesta página.
(6)
