Destruição necessária e destruição
abusiva
É lei da Natureza a destruição,
pois é preciso que tudo se destrua para renascer e se regenerar.
Porque, o que chamamos destruição não passa
de uma transformação, que tem por fim a renovação
e melhoria dos seres vivos. As criaturas são instrumentos
de que Deus se serve para chegar aos fins que objetiva. Para se
alimentarem, os seres vivos reciprocamente se destroem, destruição
esta que obedece a um duplo fim: manutenção do equilíbrio
na reprodução, que poderia tornar-se excessiva, e
utilização dos despojos do invólucro exterior
que sofre a destruição. Esse invólucro é
simples acessório e não a parte essencial do ser pensante.
A parte essencial é o princípio inteligente, que não
se pode destruir e se elabora nas metamorfoses diversas por que
passa (LE – 728).
A Natureza tem os meios de preservação
e conservação a fim de que a destruição
não se dê antes de tempo. Toda destruição
antecipada é contrária ao desenvolvimento do princípio
inteligente. Por isso foi que Deus fez que cada ser experimentasse
a necessidade de viver e de se reproduzir. (LE
– 729)
O homem deve procurar prolongar a vida,
para cumprir a sua tarefa. Tal o motivo por que Deus lhe deu o instinto
de conservação, instinto que o sustenta nas
provas. A não ser assim, ele muito freqüentemente se
entregaria ao desânimo. A voz íntima, que o induz a
repelir a morte, lhe diz que ainda pode realizar alguma coisa pelo
seu progresso. A ameaça de um perigo constitui aviso, para
que se aproveite da dilação que Deus lhe concede.
Mas, ingrato, o homem rende graças mais vezes à sua
estrela do que ao seu Criador. (LE –
730)
Ao lado dos meios de conservação,
a Natureza colocou os agentes de destruição
para manter o equilíbrio e servir de contrapeso. (LE
– 731)
A necessidade de destruição guarda
proporções com o estado mais ou menos material dos
mundos. Cessa, quando o físico e o moral se acham mais depurados.
São muito diversas as condições de existência
nos mundos mais adiantados do que o nosso. (LE
– 732)
A necessidade da destruição
se enfraquece no homem, à medida que o Espírito sobrepuja
a matéria. Assim é que, como podemos observar,
o horror à destruição cresce com o desenvolvimento
intelectual e moral. (LE – 733)
O direito de destruição que o homem
tem sobre os animais se acha regulado pela necessidade, que ele
tem, de prover ao seu sustento e à sua segurança.
O abuso jamais constitui direito. (LE –
734)
A destruição, quando ultrapassa os limites que as
necessidades e a segurança, da caça, por exemplo,
quando não objetiva senão o prazer de destruir sem
utilidade, significa predominância da bestialidade sobre a
natureza espiritual. Toda destruição que excede os
limites da necessidade é uma violação da lei
de Deus. Os animais só destroem para satisfação
de suas necessidades; enquanto que o homem, dotado de livre-arbítrio,
destrói sem necessidade. Terá que prestar contas do
abuso da liberdade que lhe foi concedida, pois isso significa que
cede aos maus instintos. (LE – 735)
O excesso de escrúpulo, quanto à destruição
dos animais que muitos povos tem, no tocante a um sentimento louvável
em si mesmo, se torna abusivo e o seu merecimento fica neutralizado
por abusos de muitas outras espécies. Pois, entre tais povos,
há mais temor supersticioso do que verdadeira bondade. (LE
– 736)
Flagelos destruidores
Deus fere a Humanidade por meio de flagelos destruidores
com a finalidade de fazê-la progredir mais depressa, pois
a destruição é uma necessidade para a regeneração
moral dos Espíritos, que, em cada nova existência,
sobem um degrau na escala do aperfeiçoamento. Preciso é
que se veja o objetivo, para que os resultados possam ser apreciados.
Não podemos apreciar a destruição do nosso
ponto de vista pessoal porque os qualificamos de flagelos, por efeito
do prejuízo que nos causam. Essas subversões, porém,
são freqüentemente necessárias para que mais
pronto se dê o advento de uma melhor ordem de coisas e para
que se realize em alguns anos o que teria exigido muitos séculos.
(LE – 737 ver também 744)
Deus, também emprega todos os dias outros
meios que não os flagelos destruidores para que a Humanidade
consiga sua melhora, pois que deu a cada um os meios de progredir
pelo conhecimento do bem e do mal. O homem, porém, não
se aproveita desses meios. Necessário, portanto, se torna
que seja castigado no seu orgulho e que se lhe faça sentir
a sua fraqueza. Se nesses flagelos, tanto sucumbe o homem de bem
como o perverso, nisto também esta a justiça de Deus.
Durante a vida, o homem tudo refere ao seu corpo; entretanto, depois
da morte pensará de maneira diversa. A vida do corpo bem
pouca coisa é. Um século no nosso mundo não
passa de um relâmpago na eternidade. Logo, nada são
os sofrimentos de alguns dias ou de alguns meses, de que tanto nos
queixamos. Representam um ensino que se nos dá e que nos
servirá no futuro. Os Espíritos, que preexistem e
sobrevivem a tudo, formam o mundo real. O mundo espírita,
preexiste e sobrevive a tudo. Esses os filhos de Deus e o objeto
de toda a Sua solicitude. Os corpos são meras vestes com
que eles aparecem no mundo. Por ocasião das grandes calamidades
que dizimam os homens, o espetáculo é semelhante ao
de um exército cujos soldados, durante a guerra, ficassem
com seus uniformes estragados, rotos, ou perdidos. O general se
preocupa mais com seus soldados do que com os uniformes deles. Não
podemos considerar a vida, simplesmente qual ela é, mas conforme
representa seu verdadeiro objetivo em relação ao infinito.
Em outra vida, as vítimas desses flagelos acharão
ampla compensação aos seus sofrimentos, se souberem
suportá-los sem murmurar. (LE –
738 e 85)
Venha por um flagelo a morte, ou por uma
causa comum, ninguém deixa por isso de morrer, desde que
haja soado a hora da partida. A única diferença, em
caso de flagelo, é que maior número parte ao mesmo
tempo.
Se, pelo pensamento, pudéssemos elevar-nos
de maneira a dominar a Humanidade e abrangê-la em seu conjunto,
esses tão terríveis flagelos não nos pareceriam
mais do que passageiras tempestades no destino do mundo. (Nota
LE - 737/738)
Os flagelos destruidores, também tem utilidade
do ponto de vista físico, não obstante os males que
ocasionam. Muitas vezes mudam as condições de uma
região. Mas, o bem que deles resulta só as gerações
vindouras o experimentam. (LE – 739)
Os flagelos são provas que dão ao
homem ocasião de exercitar a sua inteligência, de demonstrar
sua paciência e resignação ante a vontade de
Deus e que lhe oferecem ensejo de manifestar seus sentimentos de
abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo,
se o não domina o egoísmo. (LE
– 740)
Em parte, é dado ao homem intentar contra
os flagelos que o afligem, porém, não, como geralmente
o entende. Muitos flagelos resultam da imprevidência do homem.
À medida que adquire conhecimentos e experiência, ele
os vai podendo afastar nauralmente, isto é, prevenir, se
lhes sabe pesquisar as causas. Contudo, entre os males que afligem
a Humanidade, alguns há de caráter geral, que estão
nos decretos da Providência e dos quais cada indivíduo
recebe, mais ou menos, o contragolpe. A esses nada pode o homem
opor, a não ser sua submissão à vontade de
Deus. Esses mesmos males, entretanto, ele muitas vezes os agrava
pela sua negligência. (LE – 741)
Na primeira linha dos flagelos destruidores,
naturais e independentes do homem, devem ser colocados a peste,
a fome, as inundações, as intempéries fatais
às produções da terra. Não tem, porém,
o homem encontrado na Ciência, nas obras de arte, no aperfeiçoamento
da agricultura, nos afolhamentos e nas irrigações,
no estudo das condições higiênicas, meios de
impedir, ou, quando menos, de atenuar muitos desastres? Certas regiões,
outrora assoladas por terríveis flagelos, não estão
hoje preservadas deles? Que não fará, portanto, o
homem pelo seu bem-estar material, quando souber aproveitar-se de
todos os recursos da sua inteligência e quando aos cuidados
da sua conservação pessoal, souber aliar o sentimento
de verdadeira caridade para com os seus semelhantes?
(Nota LE - 739 à 741)
É freqüente a certos indivíduos
faltarem formas de subsistência, mesmo em meio à abastança.
É pelo nosso egoísmo, que nem sempre fazemos o que
nos cumpre. E no mais das vezes, devemo-lo a nós mesmos.
"Buscai e achareis"; estas palavras não querem
dizer que, para acharmos o que desejamos, basta uma atitude passiva,
mas é preciso procurá-lo sempre com ardor e perseverança,
sem desanimar ante os obstáculos, que muito amiúde
são simples meios de que se utiliza a Providência para
nos experimentar a constância, a paciência e a firmeza.
(LE – 707)
Algumas vezes, os obstáculos à realização
dos nossos projetos são, com efeito, decorrentes da ação
dos Espíritos; muito mais vezes, porém, nós
é que andamos errados na elaboração e na execução
dos nossos projetos. Muito influem nesses casos a posição
e o caráter do indivíduo. Se nos obstinamos em ir
por um caminho que não devemos seguir, os Espíritos
nenhuma culpa têm dos nossos insucessos. Nós mesmos
nos constituímos em nossos maus gênios. (LE
– 534)
Se é certo que a Civilização
multiplica as necessidades, também o é que multiplica
as fontes de trabalho e os meios de viver. Forçoso, porém,
é convir em que, a tal respeito, muito ainda lhe resta fazer.
quando ela houver concluído a sua obra, ninguém deverá
haver que possa queixar-se de lhe faltar o necessário, a
não ser por própria culpa. A desgraça, para
muitos, provém de inveredarem por uma senda diversa da que
a Natureza lhes traça. É então que lhes falece
a inteligência para o bom êxito. Para todos há
lugar ao Sol, mas com a condição de que cada um ocupe
o seu e não o dos outros. A Natureza não pode ser
responsável pelos defeitos da organização social,
nem pelas conseqüências da ambição e do
amor-próprio.
Fora preciso, entretanto, ser-se cego, para
se não reconhecer o progresso que, por esse lado, têm
feito os povos mais adiantados. Graças aos louváveis
esforços que, juntas, a Filantropia e a Ciência não
cessam de despender para melhorar a condição material
dos homens e mau grado ao crescimento incessante das populações,
a insuficiência da produção se acha atenuada,
pelo menos em grande parte, e os anos mais calamitosos do presente
não se podem de modo algum comparar aos de outrora. A higiene
pública, elemento tão essencial da força e
da saúde, a higiene pública, que nossos pais não
conheceram, é objeto de esclarecida solicitude. O infortúnio
e o sofrimento encontram onde se refugiem. Por toda parte a Ciência
contribui para acrescer o bem-estar. Poder-se-á dizer que
já se haja chegado à perfeição? Oh!
Não, certamente; mas, o que já se fez deixa prever
o que, com perseverança, se logrará conseguir, se
o homem se mostrar bastante avisado para procurar a sua felicidade
nas coisas positivas e sérias e não em utopias que
o levam a recuar em vez de fazê-lo avançar. (Nota
LE - 707, 534)
Guerras
O que impele o homem à guerra é a
predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual
e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os
povos um só direito conhecem - o do mais forte. Por isso
é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal.
À medida que o homem progride, menos freqüente se torna
a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com humanidade,
quando a sente necessária. (LE –
742)
A guerra desaparecerá da face da Terra, quando os homens
compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa
época, todos os povos serão irmãos. (LE
– 743)
O que objetivou a Providência, tornando necessária
a guerra é a conquista da liberdade e o progresso.
A guerra freqüentemente tem por objetivo e resultado a escravização,
contudo escravização temporária, para esmagar
os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa. (LE
– 744)
Aquele que suscita a guerra para proveito seu é grande culpado
e esse muitas existências lhe serão necessárias
para expiar todos os assassínios de que haja sido causa,
porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha
causado para satisfazer à sua ambição. (LE
– 745)
Assassínio
É um grande crime aos olhos de Deus o assassínio,
pois que aquele que tira a vida ao seu semelhante corta o fio de
uma existência de expiação ou de missão.
Aí é que está o mal. (LE
– 746)
Quanto ao grau de culpabilidade em todos os casos
de assassínio, Deus é justo, julga mais pela intenção
do que pelo fato. (LE – 747)
Em caso de legítima defesa, só a necessidade
o pode escusar. Mas, desde que o agredido possa preservar sua vida,
sem atentar contra a de seu agressor, deve fazê-lo. (LE
– 748)
O homem não tem culpa dos assassínios
que pratica durante a guerra, pois é constrangido pela força,
mas é culpado das crueldades que cometa, sendo-lhe também
levado em conta o sentimento de humanidade com que proceda. (LE
– 749)
Tanto o parricídio como o infanticídio
são ambos igualmente condenável aos olhos de Deus
porque é crime, ou seja, uma violação culpável
da lei Divina. (LE – 750)
A explicação que entre alguns povos,
já adiantados sob o ponto de vista intelectual, o infanticídio
seja um costume e esteja consagrado pela legislação,
e que o desenvolvimento intelectual não implica a necessidade
do bem. Um Espírito, superior em inteligência, pode
ser mau. Isso se dá com aquele que muito tem vivido sem se
melhorar: apenas sabe. (LE – 751)
Crueldade
O sentimento de crueldade é o que tem de
pior no instinto de destruição, porquanto, se, algumas
vezes, a destruição constitui uma necessidade, com
a crueldade jamais se dá o mesmo. Ela resulta sempre de uma
natureza má. (LE – 752)
A crueldade forma o caráter predominante
em alguns povos primitivos, porque a matéria prepondera sobre
o Espírito. Eles se entregam aos instintos do bruto e, como
não experimentam outras necessidades além das da vida
do corpo, só da conservação pessoal cogitam
e é o que os torna, em geral, cruéis. Demais, os povos
de imperfeito desenvolvimento se conservam sob o império
de Espíritos também imperfeitos, que lhes são
simpáticos, até que povos mais adiantados venham destruir
ou enfraquecer essa influência. (LE
– 753)
A crueldade deriva da falta de desenvolvimento do
senso moral; não da carência, porquanto o senso moral
existe, como princípio, em todos os homens. É esse
senso moral que dos seres cruéis fará mais tarde seres
bons e humanos. Ele, pois, existe no selvagem, mas como o princípio
do perfume no gérmen da flor que ainda não desabrochou.
(LE – 754)
Em estado rudimentar ou latente, todas as
faculdades existem no homem. Desenvolvem-se, conforme lhes sejam
mais ou menos favoráveis as circunstâncias. O desenvolvimento
excessivo de uma detém ou neutraliza o das outras. A sobreexcitação
dos instintos materiais abafa, por assim dizer, o senso moral, como
o desenvolvimento do senso moral enfraquece pouco a pouco as faculdades
puramente animais. (Nota LE - 752 à
754)
Pode dar-se que, no seio da mais adiantada civilização,
se encontrem seres às vezes cruéis quanto os selvagens,
do mesmo modo que numa árvore carregada de bons frutos se
encontram verdadeiros abortos. São, selvagens que da civilização
só têm o exterior, lobos extraviados em meio de cordeiros.
Espíritos de ordem inferior e muito atrasados podem encarnar
entre homens adiantados, na esperança de também se
adiantarem, Mas, desde que a prova é por demais pesada, predomina
a natureza primitiva. (LE – 755)
A sociedade dos homens de bem um dia se verá
expurgada dos seres malfazejos. A Humanidade progride. Esses homens,
em quem o instinto do mal domina e que se acham deslocados entre
pessoas de bem, desaparecerão gradualmente, como o mau grão
se separa do bom, quando este é joeirado. Mas, desaparecerão
para renascer sob outros invólucros. Como então terão
mais experiência, compreenderão melhor o bem e o mal.
Temos disso um exemplo nas plantas e nos animais que o homem há
conseguido aperfeiçoar, desenvolvendo neles qualidades novas.
Só ao cabo de muitas gerações o desenvolvimento
se torna completo. É a imagem das diversas existências
do homem. (LE – 756)
Duelo
Não se pode considerar o duelo como um caso
de legítima defesa, pois é um assassínio e
um costume absurdo, digno dos bárbaros. Com uma civilização
mais adiantada e mais moral, o homem compreenderá que o duelo
é tão ridículo quanto os combates que outrora
se consideravam como o juízo de Deus. (LE
– 757)
Poder-se-á considerar o duelo como um suicídio
por parte daquele que, conhecendo a sua própria fraqueza,
tem a quase certeza de que sucumbirá. E quando as probabilidades
são as mesmas para ambos os duelistas, haverá assassínio
ou suicídio, ou seja, um e outro. (LE
– 758)
Em todos os casos, mesmo quando as probabilidades
são idênticas para ambos os combatentes, o duelista
incorre em culpa, primeiro, porque atenta friamente e de propósito
deliberado contra a vida de seu semelhante; depois, porque expõe
inutilmente a sua própria vida, sem proveito para ninguém.
(Nota LE - 757/758)
O que chamam de ponto de honra, em matéria
de duelo, na verdade é orgulho e vaidade, dupla chaga da
Humanidade. Há casos em que a honra se acha verdadeiramente
empenhada e em que uma recusa fora covardia, isso depende dos usos
e costumes. Cada país e cada século têm a esse
respeito um modo de ver diferente. Quando os homens forem melhores
e estiverem mais adiantados em moral, compreenderão que o
verdadeiro ponto de honra está acima das paixões terrenas
e que não é matando, nem se deixando matar, que repararão
agravos. (LE – 759)
Há mais grandeza e verdadeira honra
em confessar-se culpado o homem, se cometeu falta, ou em perdoar,
se de seu lado esteja a razão, e, qualquer que seja o caso,
em desprezar os insultos, que o não podem atingir. (Nota
LE - 759)
Pena de morte
Incontestavelmente desaparecerá algum dia,
da legislação humana, a pena de morte e a sua supressão
assinalará um progresso da Humanidade. Quando os homens estiverem
mais esclarecidos, a pena de morte será completamente abolida
na Terra. Não mais precisarão os homens de serem julgados
pelos homens. Pode ser que esta época ainda esteja muito
distante de nós, mas ela virá a ser realidade. (LE
– 760)
Sem dúvida, o progresso social ainda
muito deixa a desejar. Mas, seria injusto para com a sociedade moderna
quem não visse um progresso nas restrições
postas à pena de morte, no seio dos povos mais adiantados,
e à natureza dos crimes a que a sua aplicação
se acha limitada. Se compararmos as garantias de que, entre esses
mesmos povos, a justiça procura cercar o acusado, a humanidade
de que usa para com ele, mesmo quando o reconhece culpado, com o
que se praticava em tempos que ainda não vão muito
longe, não poderemos negar o avanço do gênero
humano na senda do progresso. (Nota LE - 760)
A lei de conservação dá ao
homem o direito de preservar sua vida. Mas não poderá
usar ele desse direito na tentativa de eliminar da sociedade um
membro perigoso, pois há outros meios de ele se preservar
do perigo, que não matando. Demais, é preciso abrir
e não fechar ao criminoso a porta do arrependimento. (LE
– 761)
A pena de morte, que pode vir a ser banida das sociedades
civilizadas, pode ter sido de necessidade em épocas menos
adiantadas, aliás necessidade não é o termo.
O homem julga necessária uma coisa, sempre que não
descobre outra melhor. À proporção que se instrui,
vai compreendendo melhormente o que é justo e o que é
injusto e passará a repudiar os excessos que cometeu nos
tempos de ignorância em nome da justiça. (LE
– 762)
Será um indício de progresso da civilização
a restrição dos casos em que se aplica a pena de morte,
não se pode duvidar disso. Pois podemos observar como nos
revoltamos quando lemos alguma narrativa das carnificinas humanas
que outrora se faziam em nome da justiça e, não raro,
em honra da Divindade; das torturas que se infligiam ao condenado
e até ao simples acusado, para lhe arrancar, pela agudeza
do sofrimento, a confissão de um crime que muitas vezes não
cometera. Mas se houvéssemos vivido nessas épocas,
teríamos achado tudo isso natural e talvez mesmo, se fôramos
sido juiz, fizéssemos outro tanto. Assim é que o que
pareceu justo, numa época, nos parece bárbaro em outra.
Só as leis divinas são eternas; as humanas mudam com
o progresso e continuarão a mudar, até que tenham
sido postas de acordo com aquelas. (LE –
763)
Muito temos nos enganados a respeito destas palavras
de Jesus: “Quem matou com a espada, pela espada perecerá”
como acerca de outras. A pena de talião é a justiça
de Deus. É Deus quem a aplica. Todos nós sofremos
essa pena a cada instante, pois que somos punidos naquilo em que
havemos pecado, nesta existência ou em outra. Aquele que foi
causa do sofrimento para seus semelhantes virá a achar-se
numa condição em que sofrerá o que tenha feito
sofrer. Este o sentido das palavras de Jesus. Aliás ele disse
também: “Perdoai aos vossos inimigos”, assim
como nos ensinou a pedir a Deus que nos perdoe as ofensas como houvermos
perdoado, isto é, na mesma proporção em que
houvermos perdoado. (LE – 764)
A pena de morte imposta em nome de Deus é
tomar o homem o lugar de Deus na distribuição da justiça.
Os que assim procedem mostram quão longe estão de
compreender Deus e que muito ainda têm que expiar. A pena
de morte é um crime, quando aplicada em nome de Deus, e os
que a impõem se sobrecarregam de outros tantos assassínios.
(LE – 765)