
NASCIMENTO
No dia 3 de outubro de 1804, às dezenove horas, na casa do
magistrado Jean-Baptiste-Antoine Rivail localizada na cidade de Lyon
à Rua Sala, 76, na França, sua esposa Jeanne Louise
Duhamel dava à luz uma criança do sexo masculino. Era
Denizard-Hippolyte-Léon Rivail.
O NOME CIVIL
De pais católicos, o menino foi batizado na igreja de Saint
Denis De La Croix Rousse, aos 15 de junho de 1805. Devemos fazer uma
observação quanto ao seu nome: encontramos seu nome
civil, segundo alguns autores categorizados, assim:
Revista
Espírita, maio de 1869, Biografia do Sr. Allan Kardec,
Léon - Hippolithe - Denizart Rivail.
Camille Flammarion no seu "Discours prononcé sur
la tombe d'Allan Kardec", Léon - Hippolyte -
Denizart Rivail.
Léon Denis no "Prefácio"
da 4a edição da obra de Henri Sausse, "Remarquons
que mon nom est enchâssé dans celui d'Allan Kardec qui
s'appelait en réalité", Hippolyte, Léon,
Denizard Rivail.
J. - M. Quérard, "La France Littéraire
ou Dictionnaire Bibliographique", pág. 58, Rivail
(H. L. D.), pág. 456, Rivail Hippolyte - Léon Denizart.
G. Vaperreau, "Dictionnaire Universal des Contemporains",
Hippolyte - Léon - Denizard Rivail.
André Moreil no livro "Vida e Obra de Allan Kardec",
Denizard Hippolyte Léon Rivail ou abreviado D. H. L. Rivail.
E, ainda, outros autores escreveram o nome Rivail segundo entendimento
próprio de cada um.
Muitos se perguntarão, qual é o correto?
Evidentemente, o que consta na certidão de nascimento, ou seja,
Denizard Hippolyte León Rivail, embora Hippolyte Léon
Denizard Rivail, possa também ser usado, já que era
assim que ele assinava suas obras literárias.
FORMAÇÃO ESCOLAR E O INSTITUTO DE YVERDUN
Desde pequeno o menino Rivail revelou-se bastante inteligente e sagaz
observador, sempre compenetrado de seus deveres e responsabilidades,
denotando franca inclinação para as ciências e
para os assuntos filosóficos. Seus primeiros estudos foram
realizados em Lyon, sua cidade natal. Mais tarde, com a idade de 10
para 11 anos, Rivail foi enviado para Yverdun, na Suíça,
para completar e enriquecer sua bagagem escolar.
O Instituto de Yverdun, que funcionava no castelo construído
em 1135 pelo duque de Zähringen, era freqüentado todos os
anos por grande números de estrangeiros, pois era tido como
a escola modelo da Europa; era dirigido pelo professor-filantropo
de nacionalidade suíça Johann Heinrich Pestalozzi, cujo
apostolado pedagógico era bastante conhecido, o que lhe conferiu
o cognome de "O Educador da Humanidade".
Línguas, raças, crenças, culturas e hábitos
diferentes ali se misturavam, aprendendo as crianças e os jovens,
na vivência escolar, a lição da fraternidade,
da igualdade e da liberdade.
Pestalozzi pregava que o amor é o eterno fundamento da educação.
Em seu Instituto não havia castigos ou recompensas. O ensino
era heurístico: aquele em que o aluno é conduzido a
descobrir por si mesmo, tanto quanto possível por seu esforço
pessoal, as coisas que estão ao alcance de sua inteligência.
Línguas, raças, crenças,
culturas e hábitos diferentes ali se misturavam, aprendendo
as crianças e os jovens, na vivência escolar, a lição
da fraternidade, da igualdade e da liberdade.
Pestalozzi pregava que o amor é o eterno fundamento da educação.
Em seu Instituto não havia castigos ou recompensas. O ensino
era heurístico: aquele em que o aluno é conduzido a
descobrir por si mesmo, tanto quanto possível por seu esforço
pessoal, as coisas que estão ao alcance de sua inteligência.
A história, a literatura, todos os ramos dos conhecimentos
humanos eram ensinados em Yverdun, dentre os quais descrevemos alguns:
NOÇÕES GERAIS, PORÉM EXATAS, DE MINERALOGIA,
BOTÂNICA, ZOOLOGIA E ANATOMIA COMPARADA; UM CURSO ABREVIADO
DE HISTÓRIA NATURAL; ELEMENTOS DE FISIOLOGIA E PSICOLOGIA;
LIÇÕES DE FÍSICA EXPERIMENTAL E DE QUÍMICA;
ESTUDO DE LINGUAS MORTAS OU ANTIGAS (principalmente o grego e o latim);
LÍNGUAS ATUAIS DA ÉPOCA (italiana, inglesa, francesa,
alemã e outras); ESTUDO GERAL DE MATEMÁTICA (dividido
em quatro seções: CÁLCULO TEÓRICO E PRÁTICO,
e ARITIMÉTICA SUPERIOR; ÁLGEBRA, OU ARITIMÉTICA
LITERAL E UNIVERSAL; GEOMETRIA; MECÂNICA, COM NOÇÕES
DE ASTRONOMIA E GEOGRAFIA MATEMÁTICA.
Vale a pena saber que o Instituto de Yverdun possuía em média
150 alunos que se obrigavam a uma carga horária diária
de 10 horas. Aos domingos, numa assembléia geral, passava-se
em revista o trabalho da semana. Pestalozzi dava também bastante
importância ao canto: cantava-se nos intervalos das lições,
nos recreios e nos passeios. A música e o canto adquiriram
ali grande impulso entre 1816 e 1817 com o notável compositor
suíço Xaver Schnyder von Wartensee.
Pestalozzi foi um tipo de cristão sempre zeloso, mas eqüidistante
do misticismo, dos preconceitos e das paixões religiosas, apesar
de pertencer à Igreja reformada.
Acredita-se que Pestalozzi tivesse alguma noção da vida
após a morte, pois numa carta que escreveu à sua amiga
condessa Franziska Romana von Hallwyl, que procurara consolá-lo
da dolorosa perda de um professor, o pedagogo lhe disse, confiante:
"Vossa fidelidade e vossa amizade a seguirão no outro
mundo, nós a reencontraremos e juntos nos rejubilaremos com
alegria."
O ALUNO RIVAIL
Assim, depois de algumas informações sobre o ambiente
em que Rivail estudou e se educou, voltamos a falar sobre a sua pessoa
ainda como jovem escolar lionês.
Dotado da avidez de saber e de agudo espírito observador, adquiriu
ele desde cedo o hábito da investigação . Contam
alguns biógrafos que, quando estudava Botânica, Denizard
se interessava tanto que passava um dia inteiro nas montanhas próximas
a Yverdun, com sacolas às costas, à procura de espécimes
para o seu herbário.
Aos quinze anos, Rivail já conhecia as divergências religiosas
observadas no próprio corpo docente, com alunos católicos
romanos e ortodoxos, bem como protestantes de diferentes seitas, a
se desentenderem sobre a interpretação dos textos escriturísticos,
sobre a validade dos dogmas e de outras questões, embora, no
fundo, todos formassem uma família unida pelos laços
de amizade que sadio companheirismo gerara. Tudo isso levou Denizard
a conceber, já naquela idade, a idéia de uma reforma
religiosa, com o propósito de conseguir a unificação
das crenças.
DE YVERDUN A PARIS
Embora não se possa afirmar, presume-se que Rivail tenha permanecido
no Instituto de Yverdun até 1822, talvez desempenhando a função
de submestre, senão, mestre, mesmo, seguindo depois para Paris
- à Rua Harpa, 117, um dos principais eixos da vida universitária
parisiense, onde ficava situado o Liceu Saint-Louis (antigo "Collège
d'Harcourt"), estabelecimento escolar respeitado da Universidade.
Lá, Denizard encontraria excelentes oportunidades para continuar
suas atividades educacionais.
RIVAIL E AMÉLIE BOUDET
Vivendo em Paris, no mundo das letras e do ensino, Rivail conheceu
a Srta. Amélie Boudet. De estatura baixa, bem proporcionada,
de olhos pardos e serenos, gentil e graciosa, vivaz nos gestos e na
palavra, denunciando penetração de espírito,
Amélie nasceu em Thiais, comuna do departamento parisiense
de Val-de-Marne, a 23 de novembro de 1795. Filha única de Julien-Louis
Boudet, proprietário e tabelião, homem portanto bem
colocado na vida, e de Julie-Louise Seigneat de Lacombe, recebeu na
pia batismal o nome de Amélie-Gabrielle Boudet.
Após cursar a escola primária, a jovem estabeleceu-se
em Paris com a família, ingressando numa Escola Normal, de
onde saiu diplomada professora de 1ª classe. Alguns documentos
revelam que a Senhorita Amélie também fora professora
de Letras e Belas-Artes. Culta e inteligente, chegou a dar à
luz três obras, assim nomeadas: "Contos Primaveris",
1825; "Noções de Desenho", 1826; "O Essencial
em Belas-Artes", 1828.
Em 6 de fevereiro de 1832, Denizard e Amélie firmam o contrato
de casamento. Agora viveriam juntos sobre o mesmo teto até
que a morte os separasse.
O POLIGLOTA
Rivail possuía uma instrução extensa e variada,
conhecia também outros idiomas: o Alemão - sua língua
adotiva; o Inglês, Holandês, como também eram robustos
seus conhecimentos do Latim, do Grego, do Gaulês e de algumas
línguas latinas nas quais se exprimia corretamente.
RIVAIL TERIA SIDO MÉDICO?
Apesar de alguns
biógrafos dizerem que Rivail teria sido médico, podemos
dizer que houve um mau entendido; analisemos o que escreveu André
Moreil, biógrafo de Allan Kardec no livro "Vida
e Obra de Allan Kardec", 1977, Editora EDICEL, página
23:
"... fez (Rivail) estudos médicos como os primeiros
Pestalozzi originários de Lyon e colheu em seus estudos sobre
a eletricidade provas da existência Espírita."
Porém, em outro capítulo Moreil fala de outra maneira.
Vejamos o que se lê na página 32:
"Consta
que teria estudado medicina e até mesmo sustentado tese, aliás
com muito brilho. Para nós subsiste a dúvida. É
certo que o jovem Rivail tinha boa cultura humanista, e grande desejo
de aprender. Interessava-se pelas "humanidades", como pelas
"ciências": entre estas, a Física, a Química
e a Geologia; a Biologia também, com certeza. Mas isso não
autoriza dizer que estudou Medicina nem defendeu tese. É possível
que, de volta de Yverdun, o jovem lionês tivesse freqüentado
a Faculdade de Medicina da sua cidade natal ([1]).
Parece, todavia, que o estudo dessa disciplina não lhe suscitou
entusiasmo, pois nunca se referiu a ela em seus escritos. Apenas uma
vez, ao tratar do magnetismo animal, declarou que o estudo da Medicina
o interessara, trinta anos antes, o que corresponde ao seu período
estudantil."
Assim, faz-se necessário
desfazer essa confusão, já que Rivail se referiu ao
Magnetismo e não à Medicina convencional. Em artigo
da "Revista Espírita" de junho de
1858 intitulado "Os Banquetes Magnéticos"
lê-se esta frase escrita por Kardec: "Em nossa opinião
a ciência magnética, que professamos há 35 anos...".
Podemos observar com isso que Kardec não escreveu estudo de
medicina e, sim, ciência magnética, que professara havia
35 anos (e não 30, como quer Moreil). Poderíamos ainda
descrever trechos de outros biógrafos; chegaríamos,
porém, à mesma conclusão: que Kardec jamais foi
médico.
RIVAIL E A MAÇONARIA
É necessário, também, desfazer outro equívoco:
que Rivail tivesse sido maçom. Fazendo uma pesquisa na coleção
da Revista Espírita, 1858-1869, conclui-se
que apenas existiram, entre Denizard e a Maçonaria, afinidades
de princípios e ideais, sem jamais haver ele ingressado em
loja alguma. Acreditamos que nada modificaria, tanto para mais como
para menos, a pessoa do biografado se tivesse ele abraçado
a Maçonaria. É necessário, porém, eliminar
os exageros para que a verdade triunfe.
O PROFESSOR RIVAIL E SUAS OBRAS
Em Paris Rivail fundou um Instituto Técnico
na rua Sevres, 35, nos mesmos moldes daquele de Pestalozzi. No ano
de 1824, Denizard, ou melhor, Professor Rivail, publica seu primeiro
livro que era dividido em volumes e tinha como título: Curso
Prático e Teórico de Aritmética. Além
deste, o Prof. Rivail publicou, até o ano de 1849, os seguintes
livros: Plano para o Melhoramento da Instrução
Pública; Gramática Clássica da Língua
Francesa; Qual o Sistema de Estudos mais Adequado à Época?;
Manual dos Exames para Certificado de Capacidade; Soluções
Racionais de Perguntas e Problemas de Aritmética e Geometria;
Catecismo Gramatical da Língua Francesa; Programa dos Cursos
Ordinários de Química, Física, Astronomia e Fisiologia;
Pontos para os Exames na Municipalidade e na Sorbone; Instruções
Sobre as Dificuldades Ortográficas.
DENIZARD E O MAGNETISMO
Rivail tomou contato com o magnetismo no ano de 1823, ou talvez mesmo
um pouco antes; porém, foi em Paris que sua curiosidade foi
despertada para esta ciência, quando o marquês de Puységur
- juntamente com d'Eslon, professor e regente da Faculdade de Medicina
de Paris, mais o sábio e naturalista Deleuze -, deu novos rumos
a esta ciência através da modificação dos
métodos de Mesmer, que culminaram na descoberta do sonambulismo
provocado. Denizard refere-se elogiosamente a esses magnetistas franceses,
ombreando-lhes outros nomes, como o do barão Du Potet e o do
Sr. Millet.
Rivail estudou criteriosamente essa disciplina, tendo devorado grande
número de obras favoráveis e contrárias escritas
por homens de evidência. Diz Anna Blackwell, no prefácio
à sua tradução inglesa de "O Livro
dos Espíritos", que Rivail tomou parte ativa
nos trabalhos da Sociedade de Magnetismo de Paris, uma das mais importantes
da França. Fez muitos amigos nessa corrente de idéias,
dentre eles o magnetizador Sr. Fortier.
AS MESAS GIRANTES
Contava Rivail 51 anos de idade em 1854 quando, através do
Sr. Fortier, tomou conhecimento de certos fatos Espíritas.
Disse-lhe o interlocutor:
- "Sabe o senhor da singular
propriedade que acabam de descobrir no magnetismo? Parece que não
são unicamente os indivíduos que se magnetizam, mas
também as mesas, que podem girar e andar à vontade."
- "É extraordinário, não há dúvida"
- respondeu Rivail. "Mas em rigor é um fato que não
parece radicalmente impossível. O fluido magnético,
que é uma espécie de eletricidade, pode muito bem atuar
sobre os corpos inertes e fazê-los moverem-se."
Informado, pouco tempo depois, pelo mesmo
Sr. Fortier, de que mesas magnetizadas - chamadas na época
de "mesas girantes" -, podiam mover-se e que davam respostas
quando inquiridas, a atitude de Rivail foi de absoluta descrença:
- "Isto é uma outra questão.
Só acreditarei vendo, e quando me provarem que a mesa tem cérebro
para pensar, nervos para sentir e que pode tornar-se sonâmbula.
Até lá, permita-me que considere isso um conto para
fazer-nos dormir em pé."
Rivail aceitava a possibilidade do movimento
por uma força mecânica, mas, ignorando a causa e a lei
do fenômeno, parecia-lhe absurdo atribuir inteligência
a uma coisa puramente material. Estava ele na posição
dos incrédulos desta nossa época (2004), que negam porque
apenas presenciam um fato que não compreendem. Vivia-se numa
época em que o fato era ainda inexplicado, aparentemente contrário
às leis da Natureza, o que sua razão lhe impedia aceitar.
Ainda não havia visto nem observado nada. As experiências
feitas na presença de pessoas de caráter e dignas de
toda a confiança lhe confirmavam a possibilidade do efeito
puramente material, porém, a idéia de uma mesa falante
não lhe podia ainda fazer sentido.
O EPISÓDIO HYDESVILLE: PONTO DE PARTIDA
DAS MESAS GIRANTES
As sessões com a "mesa girante" tiveram início
nos Estados Unidos da América, com as célebres irmãs
Fox. Segundo Jorge Rizzini, os Fox eram originários do Canadá,
pois os Arquivos Históricos da Cidade de Nova Iorque (consultados
por ele) atestam que a médium Margareth Fox nascera em Bath,
uma vila próxima da cidade de Kingston, na província
de Ontário, no dia 7 de outubro de 1833.
Vale a pena saber que Margareth, nessa época, tinha a idade
de 14 anos; Katerine, a caçula, 11 anos; e Leah, que já
lecionava piano em Rochester, era 23 anos mais velha que Margareth.
Não possuímos informações dos outros irmãos,
apenas sabemos que eram em seis, também canadenses, e que David
era o único do sexo masculino.
John D. Fox, o pai, era campesino e pastor da Igreja Episcopal Metodista.
Ele e sua família recém chegados do Canadá desembarcaram
em Hydesville, no Condado de Wayne, Estado de Nova Iorque, no dia
11 de dezembro de 1847. John acomodou sua família em uma casa
de madeira humilde, praticamente idêntica a todas as outras
da região. A casa em que se instalaram não era bem vista
pela população da cidade. Diziam que era "mal
assombrada". Inquilinos anteriores haviam ouvido ruídos
estranhos e visto móveis se moverem sem nenhum contato humano;
além disso, vultos também eram vistos.
Hannah Weeckman, ex-inquilina da casa, citada no livro "História
do Espiritismo" de Arthur Conan Doyle, deu o seguinte
testemunho: "Meu marido, eu e a empregada nos levantamos
imediatamente para ver o que se passava. Ela sentou-se na cama em
prantos e nós custamos a verificar o que se passava. Disse
ela que algo se movimentava acima de sua cabeça e que sentia
um frio sem saber o que era. Disse havê-lo sentido sobre ela
toda, mas que ficara mais alarmada ao senti-lo sobre o rosto."
Lucretia Pulver, empregada do casal Bell
que, em 1844, habitara a casa, deu também seu testemunho: "A
Srta. Aurélia Losey ficou comigo naquela noite; ela também
ouviu o barulho e ambas ficamos muito assustadas; levantamo-nos, fechamos
as janelas e trancamos a porta. Parece que alguém andava pela
despensa, na adega, e até no porão, onde o barulho cessava."
Era esta a situação da casa, quando o pastor John D.
Fox nela se instalou com sua família.
John atribuía os ruídos
à madeira com a qual a casa fora construída e aos ratos
existentes na adega. Porém, na noite do dia 31 de março,
foram ouvidos ruídos com maior intensidade por todos os lados
da casa e, segundo a Sra. Fox, "produziam um certo movimento
nas camas e cadeiras, a ponto de notarmos quando deitadas".
O pastor John Fox, acreditando que alguém estivesse brincando
consigo, saiu pé ante pé e examinou a casa pelo lado
de fora e, depois, intrigado, todos os compartimentos da casa. Nada
encontrou; estava tudo normal, porém, os ruídos, inclusive
de passos, prosseguiam, e todos puderam ouvir.
Naquela noite, Katerine, a filha mais
nova, desafiou a força invisível. Bateu um certo número
de palmas. E soou na parede de madeira, imitando-a, o mesmo número
de pancadas. Quando ela parou, o som logo parou. Então Margareth
disse brincando: "Agora faça exatamente como eu. Conte
um, dois, três, quatro". E bateu palmas. Então
os ruídos se produziram como antes. Margareth teve medo de
repetir o ensaio. Então Katerine, ou Kate, como seus familiares
a chamavam, disse, na sua simplicidade infantil: "Oh! Mamãe!
Eu já sei o que é. Amanhã é o dia 1º
de abril e alguém quer nos pregar uma peça!"
Estava, assim, estabelecida a telegrafia
espiritual. A Sra. Fox, ao lado do marido, pediu ao "espírito
batedor" que dissesse a idade de cada um de seus filhos. O resultado
do teste espantou a todos. Batidas se fizeram ouvir de forma que,
a cada seqüência de batidas que correspondia a idade de
cada um, era feita uma pausa. Insistiu a Sra. Fox, perguntando se
era um ser humano que conversava com ela. O silêncio se fez
angustiante. Perguntou se era um Espírito, e fortes batidas
se fizeram ouvir por toda a casa.
A Sra. Fox, continuou a perguntar: "Se for o Espírito
de um assassinado dê duas pancadas." Duas pancadas
foram ouvidas. John Fox foi rápido chamar a Sra. Redfield,
sua vizinha, que fez um novo teste; perguntou que idade tinha ela,
e obteve do Espírito a resposta correta. Entrou na casa o casal
Duesler, e estabeleceu-se uma linguagem através de código,
onde a letra A correspondia a uma pancada, B a duas, e assim por diante.
O Espírito chamava-se Charles
B. Rosma; fora mascate; seu assassino chamava-se Bell, antigo morador
daquela casa; assassinara-o para lhe roubar quinhentos dólares
com uma faca de açougueiro, dando-lhe um golpe na garganta;
o corpo fora levado à adega e, na noite seguinte, enterrado
ali mesmo.
Foi se formando à porta da casa dos Fox uma fila de aproximadamente
trezentas pessoas e o Espírito Charles Rosma deu prova de sua
presença. No dia seguinte, David Fox, acompanhado de outras
pessoas, fez as primeiras escavações, descobrindo ossos
e cabelos. Exatamente em 1904, portanto 56 anos depois, encontrou-se
um esqueleto humano ao lado de uma lata que pertencera ao mascate.
Os fatos vieram confirmar a estranha denúncia de um morto que,
do outro lado da vida, se utilizava de uma lei natural, desconhecida
pelo homem, para relatar uma ação criminosa de que fora
vítima.
Disseram os Espíritos que esse fato era o início de
um movimento de caráter praticamente universal, para unir os
homens, convencer as mentes para a imortalidade da alma, despertar
a Humanidade para a vida espiritual.
Convém reconhecer aqui a envergadura moral do casal Fox. Contrariados
e perseguidos pela Igreja Metodista a que pertenciam, preferiram de
lá ser expulsos, a negar os fenômenos espíritas.
Eles não abdicaram da verdade de que foram testemunhas. Este
acontecimento repercutiria na Europa, despertando as consciências
e, ao lado dos fenômenos das "mesas girantes",
prepararia o advento do Espiritismo.
Agora, tendo estas informações, prossigamos.
RIVAIL E AS MESAS GIRANTES
Foi em 1855, conversando com Sr. Carlotti, outro magnetista, que lhe
falou outra vez, e com grande entusiasmo, desses fenômenos,
que Rivail sentiu idéias novas lhe despertarem na mente. No
entanto, o Sr. Carlotti era corso, de natureza ardente e enérgica.
Denizard apreciava nele as qualidades que distinguem uma grande e
bela alma, contudo, desconfiava de sua exaltação. Fora
ele o primeiro a falar-lhe da intervenção dos Espíritos,
e contou-lhe tantas coisas fantásticas que ao invés
de convencer Rivail, aumentou-lhe as dúvidas.
Um pouco mais de um ano se passara, era num dia de maio de 1856, estava
Rivail na casa da sonâmbula Sra. Roger com o Sr. Fortier, seu
magnetizador. Encontrou ali o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison,
que lhe falaram sobre os fenômenos, desta vez sem exaltação.
O Sr. Partier era um funcionário público, homem de meia
idade, instruído, sério e calmo. Sua linguagem era pausada
e isenta de entusiasmos. Pois bem: foi o Sr. Partier que causou uma
viva impressão em Rivail que, convidado a assistir a uma das
experiências realizadas na casa da Sra. Plainemaison, à
Rua Grange-Batelière, 18, aceitou pressuroso. O encontro foi
marcado para uma terça feira, às 20 horas.
Rivail assiste pela primeira vez, na casa da Sra. Planemaison, e testemunha
o fenômeno das "mesas girantes" que
saltavam e corriam, em condições tais que era impossível
haver dúvidas. Presenciou alguns ensaios, ainda bastante imperfeitos,
da escrita mediúnica em uma ardósia com o auxílio
de uma cesta. Com as idéias ainda indefinidas, Rivail raciocinava.
Ali estava um fato que devia ter uma causa. Entreviu debaixo daquela
aparente futilidade e da espécie de diversão dos que
se utilizavam daqueles fenômenos algo sério, como se
fosse a revelação de uma nova lei. Prometeu a si mesmo
que iria investigar os fenômenos a fundo.
AS MÉDIUNS SRTAS. BAUDIN
Dentro de pouco tempo, surgiu uma oportunidade de Rivail proceder
a observações diretas: numa das reuniões da Sra.
Planemaison conheceu a família Baudin, que morava na Rua Rochechouart.
O Sr. Baudin convidou-o para ir assistir às sessões
que se realizavam semanalmente em sua casa. Aceitou, e tornou-se um
freqüentador assíduo das reuniões.
Eram as reuniões bem freqüentadas e, além dos assistentes
habituais, era admitido sem dificuldade quem quer que o pedisse. Os
dois médiuns utilizados eram as Srtas. Baudin, que escreviam
em uma ardósia com o auxílio de uma cesta chamada de
"cesta pião" ou "cesta
de bico" ([2]). Esse método
exigia o concurso de duas pessoas para excluir qualquer possibilidade
de participação das idéias de cada um dos médiuns.
Foi assim, que Rivail, presenciou comunicações seguidas
constando de respostas dadas a questões propostas, e muitas
vezes a perguntas feitas mentalmente, que faziam perceber, de modo
evidente, a intervenção de uma inteligência estranha.
ZÉFIRO, O ESPÍRITO
A curiosidade e o entretenimento moviam os assistentes. O
Espírito que se manifestava dava o nome de Zéfiro, o
que estava bem de acordo com o seu caráter e o da reunião.
Porém era um Espírito muito bom, e declarava-se protetor
da família Baudin. Muitas vezes sabia fazer rir, outras vezes,
dava bons conselhos e não perdia oportunidade de se utilizar
do dito mordaz e espirituoso. Rivail travou com ele boas relações,
dando-lhe constantemente provas de grande simpatia. Zéfiro
não era um Espírito muito adiantado, porém, assistido
mais tarde por Espíritos superiores, ajudou Rivail em suas
primeiras obras. Depois de dizer que ia reencarnar, nunca mais se
ouviu falar dele.
PRIMEIROS ESTUDOS SOBRE ESPIRITISMO
Foi ali, nas reuniões da casa da família Baudin, que
Rivail fez os primeiros estudos sérios sobre o Espiritismo,
mais pelas observações que pelas revelações.
Aplicou a essa nova ciência, como sempre fizera, o método
da experimentação. Nunca se utilizou de teorias preconcebidas.
Observava, comparava e deduzia as conseqüências. Era através
dos efeitos que procurava se aproximar das causas. Deduzia pelo encadeamento
lógico dos fatos. Só admitia uma conclusão como
válida quando esta conseguia resolver todas as dificuldades
da questão - procedimento este que utilizou também em
seus trabalhos anteriores desde a idade de 24 anos.
Compreendeu Rivail, desde o início, a importância da
pesquisa que estava empreendendo. Enxergou naqueles fenômenos
a chave do problema do passado e do futuro da Humanidade, tão
confuso e controvertido - a solução do problema que
havia buscado durante toda a sua vida. Era preciso agir com prudência
e não se deixar levar por ilusões.
Um dos primeiros resultados de suas observações foi
descobrir que os Espíritos, nada mais sendo que as almas dos
homens, não possuíam nem a suprema sabedoria nem a suprema
ciência. Que seu saber era limitado ao grau de seu adiantamento
e que sua opinião só tinha o valor de uma opinião
pessoal. Esta verdade, reconhecida desde o início, o livrou
do grande perigo de acreditar em sua infalibilidade, impedindo-o de
formular teorias prematuras baseadas no que dizia um ou no que diziam
outros.
As sessões da casa do Sr. Baudin, que até aquela data
não tinham tido uma finalidade determinada, agora aconteciam
de forma organizada e útil; as frivolidades desapareceram.
Rivail tomou a seu cargo procurar resolver problemas interessantes
sob o ponto de vista da Filosofia, da Psicologia e da natureza do
mundo invisível. A cada sessão levava consigo perguntas
preparadas e metodicamente dispostas que eram sempre respondidas com
precisão, profundidade e lógica. Se acontecia de Rivail
faltar a uma dessas sessões, as pessoas ficavam sem saber o
que fazer, pois as perguntas fúteis perderam seu atrativo para
a maioria dos freqüentadores.
COMEÇA A SURGIR O LIVRO DOS ESPÍRITOS
A princípio, Rivail só tinha em mente se instruir. Porém
mais tarde, quando viu que aquelas comunicações formavam
um conjunto e tomavam proporções de uma doutrina, teve
a idéia de publicá-las para que todos se instruíssem.
Foram aquelas mesmas questões que, desenvolvidas e completadas,
constituíram a base do "O Livro dos Espíritos".
DE RIVAIL A KARDEC
Em 1856, o professor Rivail recebe dos Espíritos a revelação
do trabalho que tem de desenvolver na Terra. E assim surge o pseudônimo
Allan Kardec, com o intuito separar das obras pedagógicas escritas
pelo professor Rivail, as obras da codificação que eram
feitas agora pelo Sr. Allan Kardec. O pseudônimo foi escolhido
porque correspondia a um nome que teria usado em uma encarnação
pregressa revelada por um Espírito que dizia conhecê-lo
de remotas existências, uma das quais passada no mesmo solo
da França, onde a sua individualidade tinha revestido a personalidade
de um druida chamado Allan Kardec.
INÍCIO DA ERA ESPÍRITA
A 18 de abril de 1857 raiou para a humanidade a "Era
Espírita", ao surgirem nas prateleiras das livrarias
os primeiros volumes de "O Livro dos Espíritos".
Em 1° de janeiro de 1858 circula o primeiro número da "Revue
Espirite" (Revista Espírita),
editada em Paris por Allan Kardec; no mesmo ano foi publicado o livro
"Instruções Práticas sobre as Manifestações
Espíritas", e, ainda nesse profícuo 1858,
exatamente a 1° de abril, é fundada a "Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas".
Em 1859 surge o livro "O que é o Espiritismo".
A 16 de setembro de 1860 A. Kardec publica a "Carta sobre
o Espiritismo", em resposta a um artigo publicado na
"Gazette de Lyon". No mês de janeiro
de 1861, Allan Kardec lança a público "O
Livro dos Médiuns" e, ainda nesse ano, no dia
9 de outubro às 10:30 horas da manhã, em Barcelona,
Espanha, são queimados num auto de fé trezentos
volumes e brochuras sobre Espiritismo, entre eles "O
Livro dos Espíritos".
Em fevereiro de 1862, Kardec publica "O Espiritismo na
sua Expressão mais Simples", e também
neste mesmo ano, "Viagem Espírita em 1862".
Em 1864 são editadas as seguintes obras: "Resumo
da Lei dos Fenômenos Espíritas" ou "Primeira
Iniciação" e "Imitação
do Evangelho Segundo o Espiritismo", chamado posteriormente
de "O Evangelho Segundo o Espiritismo".
No dia 1º de agosto de 1865 é publicado o livro "O
Céu e o Inferno", ou a "Justiça
Divina Segundo o Espiritismo". No ano de 1866 surge
a "Coleção de Preces Espíritas",
um extrato do livro "O Evangelho Segundo o Espiritismo".
Em 1867 vem a público "Estudo a cerca da Poesia
Medianímica" e, em 1868, Kardec lança
"A Gênese - Os Milagres e as Predições
Segundo o Espiritismo", e o livro "Caracteres
da Revelação Espírita".
RETORNO A PATRIA ESPIRITUAL
Depois deste grandioso trabalho, no dia 31 de março de 1869,
com 65 anos de idade, em Paris, vítima da ruptura de um aneurisma,
Allan Kardec retorna à Pátria Espiritual. Sua missão
se completa, no entanto, somente no ano de 1890, quando é editado
o livro "Obras Póstumas", reunindo
os últimos escritos do grande Codificador.
BIBLIOGRAFIA
Allan Kardec - Zêus Wantuil
e Francisco Thiesen - Edições FEB;
Vida e Obra de Allan Kardec - André Moreil,
1977 - Editora EDICEL
O Principiante Espírita - Júlio de
Abreu Filho - Editora Pensamento
História do Espiritismo - Arthur Conan Doyle
- Editora Pensamento
Kardec, Irmãs Fox e outros - Jorge Rizzini
- Editora Eldorado Espírita de São Paulo
Grandes Vultos do Espiritismo - Paulo Alves de Godoy
- Edições FEESP
Espiritismo Básico - Pedro Franco Barbosa
- Edições FEB
Revista Informação N.35
Obras Póstumas - Allan Kardec - LAKE - Livraria
Allan Kardec Editora
NOTAS:
([1]) Aqui existe um engano do biógrafo
André Moreil, pois Allan Kardec, na "Revista Espírita"
de junho de 1862, rebatendo a um padre sobre o tema 'Os milhões
do Sr. Allan Kardec', diz o seguinte: "... jamais morei
em Lyon e, pois, não vejo como lá me tivessem conhecido
pobre"; concluímos assim que partiu ele de Lyon ainda
criança para estudar em Yverdun, e quando voltou à França,
foi direto para Paris. É de se estranhar tal erro, pois Moreil
faz esta referência no mesmo livro (Vida e Obra de Allan
Kardec) na página 53. Nota do Autor.
([2]) Cesta-pião ou
cesta de bico, pequena cesta à qual se ajusta
um lápis para escrever. As médiuns, as meninas Baudin,
colocavam os dedos da mão nas bordas da cestinha e ela se movia
sobre uma lousa.
Colaborou no desenvolvimento ortográfico
deste texto Maria Luiza Palha