O que livrarias e bibliotecas
espíritas têm em comum? Livros, claro. Porém nem
todo livro que está nas livrarias se encontram nas bibliotecas
e vice-versa. E isso tem uma razão muito simples. Livrarias e
bibliotecas são ambientes com características próprias
e devem ser estruturadas e administradas considerando-se essas peculiaridades.
Allan Kardec, em 1869, ao propor um
catálogo de obras relacionadas ao espiritismo para se montar
uma biblioteca temática, recomendou cerca de duzentos livros
de sua época, mas tomou o cuidado de classificá-los em
três grupos: as obras fundamentais, as diversas e aquelas realizadas
fora do espiritismo, incluindo algumas de contraditores.
Kardec sinalizou, assim, a necessidade
inicial de se conhecer as obras fundamentais para compreender a cosmovisão
espírita e, adicionalmente, propôs obras que pudessem contribuir
para o estudo dos adeptos sobre como determinados assuntos de interesse
eram tratados em obras correlatas e populares. Kardec também
demonstrou ser relevante a reflexão sobre os argumentos de que
os contraditores se serviam para atacar a doutrina. Sinteticamente,
ele indicou que o papel da biblioteca espírita era o de suporte
ao estudo metódico do espiritismo. Esse conceito permanece válido
nos dias de hoje, destacando-se que modernamente os livros também
podem ser disponibilizados em formato eletrônico, favorecendo
a consulta e o acesso a muitas obras.
E a livraria não teria o mesmo
papel de suporte ao estudo? Certamente que ela também tem essa
finalidade, agregando-se o fato de que, aos olhos de qualquer potencial
consumidor, uma livraria espírita oferece livros espíritas!
Chega a ser redundante explorar esse ponto, mas lamentavelmente esbarramos
em algo muito sério e que vem prejudicando a própria proposta
de divulgação doutrinária em alguns centros espíritas,
que é a malfadada suposição de que o leitor deve
ler de tudo e cabe a ele a responsabilidade de separar o joio do trigo,
ou seja, identificar o que é coerente ou não com a doutrina...
Ora, mas se é um leitor iniciante ou sem muitos conhecimentos
doutrinários, como ele conseguirá fazer isso? E não
adianta perguntar para o vendedor se o livro é bom, interessante
etc, pois seria péssimo para a imagem da livraria se o atendente
dissesse que esse ou aquele livro não é adequado, apesar
de estar ali sendo oferecido ao público. Para o consumidor, se
o livro está exposto em uma livraria espírita é
porque, logicamente, trata da temática espírita e passou
por algum critério de escolha. Em outras palavras, os potenciais
usuários, principalmente os iniciantes, confiam nos serviços
e nos critérios de seleção da livraria do centro
espírita.
O apelo comercial, por outro lado, vem
fazendo com que muitos gestores de livrarias priorizem a quantidade
de títulos vendidos e não a respectiva seleção
pela qualidade oferecida. Ninguém duvida de que a livraria possa
ser uma importante fonte de receitas para a manutenção
da instituição espírita. Mas será que se
justifica a ausência de critérios doutrinários para
a disponibilização de alguma obra ao leitor? Supõe-se
que alguém que compre um livro deseja gastar os seus recursos
em algo útil e não para, ao final da leitura, lamentar
a insensatez da obra. O problema é maior quando o leitor não
consegue perceber a incoerência conceitual de que pode estar sendo
vítima em suas leituras...
Uma comparação pertinente
é a seguinte: que mãe, propositadamente, ofereceria alimentos
contaminados aos filhos? Pois então, que dirigente espírita,
consciente de suas responsabilidades, ofereceria livros com inconsistências
doutrinárias ao público de sua livraria? Trata-se de uma
relação de confiança e bom senso.
Bibliografia
Kardec, Allan. Catálogo racional: obras para
se fundar uma biblioteca espírita. São Paulo: Madras,
2004.
Marco Milani é professor universitário
e economista, responsável pelo Departamento do Livro, USE Regional,
SP.
Fonte: Publicado no jornal Correio
Fraterno - edição 448 novembro/dezembro 2012
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