“Chegara
Kant, por fim,
ao termo de sua pesquisa filosófica.
Procurando Deus, encontrara o Homem.
‘O Homem’, conta-nos uma lenda oriental,
‘levantou o véu da deusa de Sais e viu a si mesmo”.
Henry Thomas
Este artigo traz à luz um neologismo: Psicosofia.
Esta palavra foi cunhada com o objetivo de delimitar um campo de reflexão
pouco comum no meio filosófico: o campo da sabedoria espiritual
(psique = espírito / Sofia = sabedoria). O termo espírito
no meio filosófico quase sempre foi pensado como sinônimo
de mente ou como o seu produto e, raramente, como um Ser incorpóreo
autônomo e invisível para a maioria das pessoas. Assim,
o termo psicosofia valorizará essa outra dimensão e será
utilizado para caracterizar as teorias formuladas por diferentes filósofos
ou pensadores encarnados, independente da época, sobre o mundo
dos Espíritos [1].
Após esse primeiro esclarecimento, podemos dizer
que o objeto desta pesquisa é compreender a psicosofia kantiana
e seus pontos de contato com a Doutrina Espírita, que surgiu
no século XIX na França, com a obra do pedagogo Allan
Kardec. O Espiritismo, como é conhecida essa Doutrina é,
sem dúvida, a religião que mais descreveu o mundo dos
espíritos, utilizando-se, para tanto, dos relatos mediúnicos,
prática que hoje se encontra popularizada em quase todos os pontos
da Terra.
É importante salientar que tais relatos também
nos trazem informações contraditórias. Para um
cético, seria a prova de que tudo não passaria de ilusão.
Ou de que as informações teriam saído da mente
ou do subconsciente do próprio médium. Mas, para quem
aprecia o saber e o sabor do mundo espiritual, tais contradições
são a garantia de que este mundo também é uma incógnita
até para os Espíritos, pois há muitas moradas no
“reino de Deus” e, em Tese, os Espíritos não
passariam de seres que perderam apenas o corpo físico, mantendo
a estrutura psicológica de sua última encarnação
na terra.
É importante esclarecer também que a psicosofia,
como aqui propomos, transcende a preocupação em constituir
dogmas ou doutrinas religiosas, abrindo-se para todas as interpretações
que possam enriquecer nossa compreensão sobre tão fascinante
assunto. É assim que podemos compreender a existência de
uma psicosofia na obra de Sócrates e em muitos outros filósofos
e pensadores ocidentais e orientais.
Neste trabalho abordaremos, em linhas gerais, a psicosofia
de Emmanuel Kant (1724-1804), pensador prussiano cuja
obra foi uma das mais representativas do século XVIII. Kant ficou
famoso mundialmente no meio filosófico por suas “críticas”.
Porém, poucos estudiosos se debruçaram sobre a teoria
da alma e dos espíritos que chegou a formular com muito carinho
e dedicação, apesar de, posteriormente, tê-la abandonada.
Esta teoria, em linhas gerais, antecipava em quase cem
anos algumas das revelações que compõem o quadro
doutrinário do espiritismo. Possivelmente, se Kant não
tivesse abandonado suas pesquisas sobre os espíritos, poderia
ter criado um clima mais amistoso, pelo menos filosófico, para
a difusão da Doutrina Espírita. Porém, é
provável que nem ele estivesse preparado para compreender a importância
dessa sua reflexão, uma vez que costumava apresentá-la
com uma certa dose de ironia, como que tentando disfarçar o fato
de estar se dedicando a um tema de “menor” importância
no meio filosófico.
Kant e o vidente de espíritos
Em 1804, ano em que Kant veio a falecer, foi o ano,
também, em que nasceu, na França, Allan Kardec, o codificador
do espiritismo. Em 1766, porém, Kant publicou um livro incomum
no meio filosófico e até hoje pouco lido e discutido.
Este texto rebelde de Kant chamou-se: “Sonhos de um vidente
de espíritos explicados pelos sonhos da metafísica”.
Por anteceder seus principais livros, esta obra passou
a ser tratada por alguns historiadores da filosofia como uma produção
inferior, como fruto do período “pré-crítico”
de Kant. Alguns estudiosos se debruçaram sobre esta obra interessados
em compreender a “loucura”, dando pouca atenção
para a psicosofia que aí se manifestava. Acredito que este artigo
seja o primeiro que procura compreendê-lo estabelecendo correlações
com a doutrina dos espíritos nascida na França, em meados
do século XIX.
A filosofia acadêmica não poderia (como
ainda não pode) aceitar o fascínio de Kant pelas “visões
e alucinações auditivas” vividas pelo famoso ocultista
Swedenborg. O próprio Kant também teve
receio de assumir publicamente esse fascínio pelo “vidente
de espíritos” e escreveu, meio sem jeito, que refletiu
sobre o livro Arcanos celestes de Swedenborg para compensar a grande
despesa financeira que teve para adquirir o livro.
Ao ler Kant, a impressão que nos chega é
a de estarmos diante de um ser incomodado. O autor parece ambíguo,
ora aceitando como real as “alucinações” de
Swedenborg (de que seria possível a comunicação
com os mortos, ou seja, que eles poderiam nos transmitir pensamentos
e até predizer o futuro), ora (como irá concluir, infelizmente)
que tudo não passaria de ilusão, ou, em suas palavras,
de “sonhos das sensações” (expressão
que criou para diferenciar as “alucinações”
de Swedenborg do que chamou de “sonhos da razão”,
manifestos nos sistemas abstratos dos metafísicos).
Porém, independente da conclusão de Kant,
ele foi capaz de elaborar uma reflexão filosófica sobre
os espíritos, uma psicosofia que, de certa forma, poderia ter
facilitado a compreensão ou preparado melhor o terreno para a
doutrina espírita se ele não tivesse abandonado suas reflexões
sobre o mundo dos espíritos.
Por alguma razão subjetiva Kant não se
cansava de dizer que talvez as experiências ocultistas
[2] com os espíritos fossem falsas, não como charlatanismo,
algo que o filósofo nem chega a discutir, mas por ser, em sua
opinião, o fruto de uma perturbação da inteligência,
fruto de alguma afecção patológica dos sentidos
e da imaginação, o que resultaria em representações
simbólicas de um além impossível de ser atingido
pelas mentes normais.
Kant, apesar de classificar as visões e audições
descritas por Swedenberg como algo “patológico” apresentará
uma hipótese bem “complexa” para um filósofo
ocidental do século XVIII. Tais “patologias” poderiam,
de fato, ter uma causa espiritual. Ou seja, Kant chega a admitir que
os espíritos (os mortos) poderiam influenciar ou perturbar [3]
as faculdades normais dos “vivos”.
Dessa forma, o filósofo chegou a admitir a possibilidade
de relacionamento entre os vivos e o mundo dos espíritos, mesmo
que isso produzisse um efeito patológico sobre as faculdades
mentais dos primeiros.
Kant reconheceu que essa sua hipótese iria transpor
os limites da racionalidade de sua época. Curiosamente, hoje,
no limiar do século XXI, quando a comunicação entre
encarnados e desencarnados (espíritos) está consolidada
e praticamente aceita como natural, pelo menos, no meio espiritualista,
ainda há quem afirme que as pessoas (médiuns) que contatam
o mundo dos mortos adquirem enfermidades ou são levadas à
loucura, algo já desmistificado pelo espiritismo e pelo mediunismo
de uma forma geral.
Assim, é compreensível que o filósofo
prussiano, no século XVIII, não aceitasse a manifestação
medianímica como um fenômeno natural, tratando-a como algo
patológico.
Refletindo sobre as “alucinações”,
Kant irá elaborar sua teoria sobre os espíritos. Para
ele, os espíritos seriam seres que ocupam o espaço físico
sem o preencherem. Eles habitariam um mundo supra-sensível [4]
e formariam uma comunidade de seres racionais. Para se conhecer
tal comunidade, no domínio da experiência, só haveria
um caminho: através do “mundo moral”.
Para Kant, na medida em que nos sentimos descontentes
em viver presos aos nossos desejos sensoriais e reconhecemos que somos
dependentes de uma Lei e de uma vontade que nos vem do exterior, somos
atravessados por uma exigência que funda uma comunidade interdependente,
à maneira de uma atração universal entre o mundo
sensível dos homens e o supra-sensível dos espíritos,
ou seja, dos mortos [5].
Mas Kant continuava fascinado com a “intuição
alucinada” de Swedenborg que afirmava conversar cotidianamente
com os mortos. Procurando compreender tais conversas, antecipa algumas
das premissas que o espiritismo revelaria no século seguinte.
Kant se apercebeu das seguintes questões. Os espíritos,
apesar de não estarem efetivamente no espaço, utilizam-se
dos pensamentos humanos e suas idéias são revestidas pela
aparência do mundo sensível, em suma, o mundo dos espíritos,
segundo Kant, continuaria sendo o mundo das representações
humanas.
Essa leitura kantiana vem ao encontro do espiritismo.
Para a doutrina espírita, a pessoa que desencarna (morre), perde
apenas o seu corpo físico. Ela não se torna santa ou uma
entidade angelical só porque morreu. Ela também não
irá encontrar, necessariamente, Deus. Ela manterá seus
próprios valores (poderíamos hoje dizer imaginário)
semelhantes aos que tinha quando ainda estava encarnada. Se ela morreu
tendo ódio de alguém, ela poderá continuar manifestando
esse mesmo sentimento fora do corpo físico, tentando se vingar
do seu desafeto agora com uma arma a mais: a invisibilidade. São
os famosos casos de obsessão descritos amplamente pela fenomenologia
espirítica.
Se não fosse a preocupação excessiva
de Kant em classificar como patológica a comunicação
com o mundo dos espíritos, possivelmente o filósofo iria
reconhecer a naturalidade do mundo dos espíritos e, quem sabe,
questionar-se sobre a reencarnação. Mas o filósofo
prussiano prosseguiu em sua interpretação psicosófica
classificando as construções subjetivas de Swedenborg,
ou do “vidente de espíritos”, como sonhos, especificamente,
como ilusões.
Para diferenciar, então, as ilusões dos
ocultistas das ilusões dos metafísicos, Kant denominou
as primeiras de sonhos dos sentidos e, as segundas, de sonhos da razão.
Porém, apenas as dos ocultistas foram classificadas como patológicas.
Kant chegou a escrever que Swedenborg seria um “oráculo
dos espíritos” e que teria o seu “ser interior”
aberto. Ou seja, que podia ser tomado pelos espíritos. Hoje,
com o advento da doutrina espírita, poderíamos dizer que
o “vidente de espíritos” era, de fato, um médium
e que, possivelmente, possuía a mediunidade psicofônica,
conhecida também como mediunidade de incorporação,
aquela que acontece quando um ser incorpóreo se utiliza do veículo
físico de um encarnado para se comunicar, utilizando suas mãos,
por exemplo, para escrever ou segurar objetos; suas pernas para andar
pelo ambiente e, como diz o nome da mediunidade, falar (de forma audível
para todos os presentes) através da boca do médium.
Mas a relutância de Kant em colocar do mesmo lado
o idealismo dos metafísicos e o “delírio”
dos ocultistas, particularmente de Swedenborg, levou-o a tentar definir
os limites entre a razão dos metafísicos e a loucura dos
ocultistas sem muito sucesso. O combate interior do filósofo
era intenso pois Kant reconhecia ser pretensioso não acreditar
em nada do que Swedenborg escrevia e, ao mesmo tempo, acreditar em tudo
sem um exame mais rigoroso da razão.
Os momentos de ironia ou as afirmações
de que teria sido ingênuo ao investigar se os relatos de Swedenborg
poderiam ser verídicos, não parecem desmentir que o anjo
prussiano [6] não estivesse,
de fato, mantendo um real interesse pelo tema.
Aliás, em carta dirigida a Mendelssohn, Kant
afirmou que a “desordem coerente dos sentidos” (a causa
das alucinações nos ocultistas, em sua opinião)
seria um fenômeno muito mais notável do que os sofismas
racionais dos metafísicos. Para Kant, os relatos de Swedenborg,
no que concerne aos princípios racionais, seriam exatos, apesar
de “extravagantes” e confessa que seria capaz de sustentar
os devaneios do ocultista se alguém contestasse sua possibilidade.
Talvez seja por essa razão que, como já afirmei anteriormente,
Kant nem chegou a discutir um possível charlatanismo na obra
de Swedenborg.
O dogma [7] da doutrina
espírita é de que há “classes” diferentes
de espíritos, variando conforme o seu padrão vibratório,
ou seja, o “grau de evolução” atingido em
diferentes encarnações, apesar de todos terem sido criados
“simples e ignorantes”. Os espíritos alcançariam
os diferentes estágios evolutivos de acordo com suas semeaduras.
A doutrina espírita relata também os casos de licantropia,
ou seja, quando o espírito adquire formas monstruosas em função
de sua queda moral.
Nas visões de Swedenborg também aparecem
as entidades angelicais e as monstruosas, confirmando a pluralidade
das formas espirituais. E Kant, como uma espécie de censor, recomendava
que as mulheres, sobretudo, as grávidas, não entrassem
em contato com as informações referentes ao estado dos
espíritos após a morte (desencarnação).
Para ilustrar estes fenômenos de licantropia,
poderíamos citar o caso do médium brasileiro Chico Xavier
que também afirmava ver o perispírito (corpo espiritual)
dos encarnados. Assim, muitas vezes, o médium brasileiro relatou
que por trás de uma aparência física repugnante,
tomada por sérias enfermidades, ele via um espírito resplandecente
e vice-versa.
Para a doutrina espírita, com a desintegração
do corpo físico, restaria apenas a forma espiritual. E esta não
poderia ser maquiada por plásticas ou silicones. A forma espiritual
seria fruto do caráter moral de cada ser.
Com base nessa informação é possível
que as formas espirituais que Kant desejava preservar as mulheres de
ver, ou melhor, de ler, não eram das mais belas.
Mas, como dissemos, ao teorizar uma causa fisiológica
e patológica para as “alucinações”
do vidente de espíritos, Kant teria que, para permanecer coerente
com sua teoria, aceitar que nada poderíamos aprender com os videntes.
Mas não é essa sua posição. Kant se manteve
dividido. De um lado, demonstrava receio das críticas e censuras
dos filósofos e de seus leitores. De outro, parecia motivado
em aprofundar suas teoria sobre os espíritos, mesmo reconhecendo
que tal ato o levaria, necessariamente, ao abandono da “linguagem
prudente da razão”.
A saída encontrada por Kant foi compreender como
sonhos tanto os sistemas metafísicos como os sistemas ocultistas.
A diferença entre eles, como já salientamos, é
que os primeiros seriam sonhos da razão e, os segundos, sonhos
da sensação. Essa analogia permitiu ao filósofo
relacionar a fantasia ao seu complexo e contraditório quadro
teórico. No caso da metafísica, as quimeras seriam limitadas
pela percepção efetiva dos objetos e dos sentidos. No
caso dos ocultistas não haveria nada capaz de entravar os desdobramentos
imaginários. Possivelmente, nessa passagem, Kant compreendeu
o imaginário em oposição ao real.
Porém, com base nos estudos de Projeciologia,
sobretudo de autores que gozam de certa confiabilidade, como é
o caso de Waldo Vieira, antigo companheiro de psicografia
de Chico Xavier, o mundo material, tal qual o conhecemos através
de nossos sentidos, de fato não é obstáculo para
os seres incorpóreos que são capazes de atravessar o fogo,
a água, paredes etc. Assim, talvez a imaginação
de Swedenborg não fosse a criadora de um universo de revelações
alucinadas, como pensou Kant, mas uma realidade transcendental não
captada através dos sentidos físicos.
A ambigüidade de Kant não o impediu de afirmar
que, em seu exame filosófico dos seres espirituais, a natureza
espiritual não poderia ser conhecida, mas conjecturada. Para
se pensar algo tão diferente de todo o sensível, não
temos como nos repousar na experiência, mas apenas em uma “razão
desamparada [8]”.
Curiosamente, essa conclusão de Kant nos parece
muito atual, pois, com o aumento considerável de mensagens psicografadas,
ou seja, escritas por seres incorpóreos e transmitidas para os
médiuns, não é fácil admitir o que é
verdade e o que não é nas informações transmitidas
pelos espíritos.
Devido ao crescimento exponencial de livros psicografados,
as federações espíritas passaram a criar seus próprios
index, definindo qual a literatura “recomendada” para os
espíritas e aquela que deveria ser evitada. Assim, nem todo livro
escrito por espíritos é, de fato, um livro espírita.
A doutrina espírita passou a ser mais uma doutrina dos encarnados
do que dos espíritos.
Kant parece ter antecipado tal complexidade e adiantou
que diante das informações que os seres incorpóreos
nos trazem, nossa razão se encontra desamparada. Assim, e aqui
é minha opinião, alguém definir o que é
verdade e o que não é em tais comunicações
parece ser, apenas, mais uma demonstração de dogmatismo,
no sentido usual do termo, e não de sabedoria.
Outra questão interessante em seu pensamento,
e que também se mostra atual, é sua preocupação
para que o sujeito das representações não se torne
prisioneiro da fantasmagoria dos espíritos. De certa forma, essa
também é uma preocupação dos doutrinadores
espíritas em relação aos médiuns em formação.
Os espíritas classificam os médiuns que se tornam “prisioneiros”
dos espíritos de “fascinados”.
Kant parece muito preocupado em estabelecer limites
entre o interior e o exterior, entre o cognoscível e o incognoscível,
entre os objetos percebidos e as “errâncias imaginárias”
nesse complexo mundo. Possivelmente, sua teoria sobre a correlação
entre o “conflito real” e o “conflito dialético”,
discutido em sua obra capital, “Crítica da razão
pura”, foi efeito do encontro com a obra de Swedenborg. Assim,
o mundo espiritual, conforme aparece na obra do “oráculo
de espíritos”, só seria possível de ser compreendida
através de um novo método: a “dialética transcendental”.
Kant, ao definir a razão como a arte de arquitetar
problemas sem solução, parece ainda preocupado em encontrar
uma solução para a questão dos espíritos.
Será através da noção de númeno que
Kant atribuiu um lugar para além do fenomenal. Assim, a positividade
do mundo fenomenal passa a adquirir sentido em oposição
à negatividade do númeno. O filósofo não
afirma que tal negatividade seja absoluta, pois o fenômeno também
não é tudo, fixando, assim, o estatuto de transcendente,
abrindo a possibilidade de se compreender o complexo mundo dos espíritos,
o mundo que nós viveremos ao deixar o corpo físico.
Algumas conclusões
É interessante assinalar a desconfiança
da filosofia com o mundo espiritual. Na Antiguidade, Sócrates
já afirmava ver e conversar com o seu daimon, o que hoje a doutrina
espírita chama de mentor ou guia espiritual. Pitágoras,
Platão, São Francisco, entre outros pensadores ocidentais
foram reencarnacionistas.
Para o senso comum, aceitar a idéia de que a
vida continua para além da morte física seria um dogma
criado pelo espiritismo, uma religião irracionalista, segundo
alguns acadêmicos. Mas não é no campo da filosofia
que iremos encontrar as provas mais evidentes da continuidade da vida.
O século XX conheceu, graças a mediunidade de Chico Xavier,
um avanço nos meios de comunicação entre espíritos
encarnados e espíritos incorpóreos. A cademia ainda não
se deu conta, mas a literatura mediúnica possui a forca da literatura
dos viajantes que, no século XVI, descrevia o mundo novo desconhecido
para os europeus.
Em minha opinião, todos tem o direito de não
acreditar no espiritismo ou em qualquer outra religião, mas não
aceitar o fenômeno mediúnico como real é uma enorme
demonstração de irracionalismo.
No século XIX, o filosofo alemão Schopenhauer
afirmou: “hoje em dia não acreditar no magnetismo não
é ceticismo, é ignorância”. Poderíamos
trocar a palavra magnetismo por mediunismo e a frase do filósofo
seria adequada para esse limiar de século XXI.
Atualmente, a literatura mediúnica é uma
realidade mundial e as centenas de livros psicografados por Chico Xavier,
envolvendo mais de 2000 escritores incorpóreos, não pode
ser menosprezada pelo nosso preconceito religioso ou materialista.
Mas não precisamos ser adepto de nenhuma religião
para tomarmos consciência de que a vida continua após a
morte do corpo físico. As pesquisas independentes de Grof
ou as contribuições da Psicologia Transpessoal e da Projeciologia,
ciências que não possuem vínculos doutrinários,
demonstram também que a comunicação entre os dois
planos da vida é mais comum do que possamos imaginar. Assim,
é um falso enigma, o shakesperiano texto que afirma ser a morte
uma região misteriosa de onde nenhum viajante jamais voltou.
Emmanuel Kant, o pequeno sábio aleijado prussiano,
costuma ser classificado como um filósofo idealista. Entretanto,
talvez a classificação mais adequada seria como filósofo
espiritualista. Kant viveu intensamente o paradoxo encontro entre o
romantismo alemão inspirado por Goethe e o Iluminismo que procurava
varrer o irracionalismo da Europa.
Apesar da infância humilde e pobre, Kant e seus
dez irmãos foram educados em um meio religioso rico de alimento
mental e inspiração moral. Sua família era Pietista,
uma seita puritana conhecida como “soldados da paz”. Desde
pequeno apreciou os valores éticos do Pietismo, mas teve verdadeira
aversão pelas intermináveis formalidades cerimoniosas.
Ao preferir se dedicar à Filosofia e não
a Teologia, desiludindo seus pais, Kant mergulhou profundamente sobre
todo o mundo conhecido do século XVIII, indo desde as abstrações
da metafísica até as realidades da física, da psicologia,
da astronomia e das demais ciências de sua época. Notou,
porém, que tudo o que a ciência estudava parecia se constituir
em uma propriedade infinita com um amo ausente: Deus.
A partir desse momento, Kant decidiu consagrar sua vida
ao exame da propriedade e à procura do amo, afirmando: “nada
desviar-me-á desse curso”. O contato com a fascinante obra
do vidente Swedenborg quase o fez mergulhar no profundo e também
pantanoso mundo dos espíritos. Mas não teve a coragem
ou o apoio suficiente para continuar nesse caminho, classificando, infelizmente,
como ilusão o mundo que atualmente a literatura mediúnica
vem a cada dia revelar como natural.
A comunicação entre encarnados e espíritos
além de não ser patológica, não possui nada
de sobrenatural e fantasioso, apenas regras que devem ser observadas.
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[1] Assim, a
animagogia, outro neologismo criado por nós, refere-se ao conhecimento
ou ao saber adquirido com seres incorpóreos e, a psicosofia,
ao saber espiritual elaborado por encarnados.
[2] Como o termo mediunidade só
surgiu com Kardec, no século XIX, as experiências de comunicação
com os espíritos que Swedenborg descreve em seu livro foram classificadas
por Kant como ocultismo.
[3] Hoje sabemos que a obsessão
(espiritismo) ou o assédio extra-físico (projeciologia)
é uma patologia causada por espíritos, mas não
era nesse sentido que Kant estava pensando.
[4] É interessante assinalar
que ele fala em mundo supra-sentido e não em sobrenatural.
[5] No livro mecanismos da mediunidade,
obra psicografada pelo médium Chico Xavier, o Espírito
André Luiz discute a atração eletromagnética
entre encarnados e espíritos, fruto, sobretudo, dos pensamentos
emitidos por cada ser. O pensamento seria um grande imã capaz
de atrair seres de uma mesma vibração, independente de
estarem no mundo encarnados ou não.
[6] Expressão utilizada pelo
filósofo espírita José Herculano Pires em seu livro
Os Filósofos para se referir a Kant.
[7] Entendendo dogma em seu sentido
grego original, ou seja, como opinião.
[8] E Kant teve razão, uma vez
que o médium é um instrumento dos espíritos e não
o contrário, o que impede algumas pesquisas espirituais gerando
o ceticismo naqueles que querem “ver para crer”, esquecendo-se
que mesmo as pesquisas acadêmicas precisam de critérios
e métodos.
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Leiam de Adilson Marques:
A
FEB e a Umbanda
História
Oral com espíritos? A construção de narrativas
visionárias e hermesianas na pós-modernidade
A
Psicosofia Kantiana e a Doutrina Espírita