Quando estamos planejando freqüentar uma
casa espírita a nossa primeira preocupação é
encontrarmos uma unidade cujo ambiente doutrinário seja sério
e bem orientado.
Cresci em uma família de tradição
religiosa mista. O lado paterno católico e o lado materno Espírita.
Meu avô materno foi engenheiro da prefeitura da cidade do Rio
de Janeiro e pesquisador espírita, na década de 20, época
em que participar de sessões espíritas era proibido e
reprimido com o rigor da lei.
A intolerância religiosa foi sempre
a tônica das sociedades arcaicas. Todos os movimentos de renovação
religiosa foram condenados, perseguidos e punidos, conforme as práticas
correntes durante os períodos históricos em que ocorreram.
A doutrina Espírita completou
esse ano, em 18 de abril, 147 anos de existência, contados da
publicação da primeira edição de “O
Livro dos Espíritos”.
Foi necessário que os mártires
da reforma protestante, na tentativa de voltar à pureza do Cristianismo
primitivo, cindissem o poder absoluto da Igreja Medieval, tanto inquiridora
quanto aterradora. Só após essa grande reforma, o nosso
Codificador dispôs do solo fértil do livre pensamento e
da ciência experimental para plantar a semente do Consolador prometido.
O marco inicial, “O Livro dos
Espíritos”, foi o primeiro de uma série de cinco
livros que constituem o importante legado de Allan Kardec à humanidade.
São livros que deixam claro a
tríplice função da Doutrina como ciência,
filosofia e religião. E mais ainda, mostram a lucidez e a antevisão
do Mestre Francês que não deixou de alertar seus seguidores
sobre a necessidade de mantermos o aspecto dinâmico Doutrina Espírita.
Ele adverte que se em algum momento
a Doutrina Espírita estiver em desacordo com a ciência,
o que deverá prevalecer é a ciência, sendo necessária
a modificação da Doutrina Espírita no ponto em
questão.
Todavia digo-vos a verdade,
que vos convém que eu vá;
porque, se eu não for,
o Consolador não virá a vós;
mas, quando eu for, vo-lo enviarei.
João, 16; 7.
A terceira revelação foi
prevista no Evangelho de João, 16; 7. E apesar disso é
contestada pelos cristãos fundamentalistas que se atribuem a
função e o direito de designar quem é ou não
Cristão. Utilizam para este fim de regras parciais, criadas por
homens falíveis muito depois da passagem do Cristo pela terra.
São dirigentes eclesiásticos
iludidos pelo poder e pela vaidade e que guiam grupos de pessoas ainda
ignorantes e incapazes de elaborar críticas consistentes. Por
isso, essas pessoas tomam como verdades absolutas e inquestionáveis
qualquer tese (leia-se dogma) repetida de forma insistente. Cegos guiando
cegos.
Existem inúmeros seguimentos
do Movimento Espírita Brasileiro e mundial. Esse fato é
natural já que a grande variedade de costumes, conhecimentos
e tendências fazem com que grupos heterogêneos entre si,
adotem práticas também variáveis, apesar de seguirem
uma linha mestra única.
O surpreendente é que os representantes
dos diversos Movimentos Espíritas ignorem as lições
de História e tenham atitudes discriminatórias e preconceituosas
em relação àqueles que desenvolvem pesquisas em
áreas nas quais o conhecimento doutrinário Espírita
ainda está incipiente.
Sabemos que o desbravar de um novo campo
de conhecimento é um processo repleto de riscos. As pesquisas
na esfera espiritual progridem lentamente e de forma proporcional ao
empenho, estudo, disciplina e padrão moral do pesquisador.
Reconhecemos e agradecemos o valoroso
trabalho de consolidação e difusão da Doutrina
Espírita que vem sendo realizado de forma responsável,
ética, serena e perene pelos Espíritas Históricos
e pelas sólidas instituições por eles criadas.
São fortalezas da fé raciocinada que sustentam o progresso
social e espiritual de imensas populações de espíritos
encarnados e desencarnados.
São sustentáculos do equilíbrio
e do amor fraternal. São as bases sólidas, que permitem
aos seus batedores, os vanguardistas, enfronharem-se no grande território
desconhecido da pesquisa metafísica, com a certeza de terem em
sua retaguarda a proteção da sabedoria estável
desses mestres da disciplina e dedicação.
Agora, quando supomos que todas as verdades
já foram reveladas e que constam dos cinco livros básicos
de Kardec, estamos agindo exatamente da mesma forma que os fundamentalistas
cristãos, que tanto criticamos.
As pesquisas na área de Terapia
de Vidas Passadas (TVP), Trans-comunicação instrumental
(TCI) e Apometria têm despertado o interesse de muitos Espíritas.
Mas em várias oportunidades os
vanguardistas são taxados de não Kardecistas e de sincretistas.
Outras vezes as acusações são ainda mais pesadas
envolvendo adjetivos pejorativos ou mesmo cruéis.
Os representantes das entidades Espíritas
mais tradicionais alegam que se trata de procedimentos não aceitáveis
para os seguidores do Codificador por não terem sido previstos
ou citados por ele nas obras básicas.
Fui questionada sobre qual passaria
a ser o valor do médium caso a TCI se desenvolvesse? Ora, diferentes
técnicas, recursos, instrumentos, não tem, necessariamente,
que se excluírem mutuamente, pelo simples fato de serem diferentes.
E, de qualquer forma, o fenômeno obtido dessa maneira não
exclui a presença de uma pessoa dotada de mediunidade, ainda
que não se saiba.
Serão somatórios de recursos
valiosos empregados no atendimento fraterno das diversas necessidades
dos seres humanos. Aí emerge a verdadeira essência da Doutrina
Consoladora.
A história da medicina está
repleta de exemplos nos quais os defensores de diferentes teses foram
forçados, pelo tempo, pela sedimentação dos conhecimentos
e pelas evidências científicas incontestáveis a
reconhecerem o valor da associação de métodos.
Nesta fase da evolução
do pensamento científico ocorre a opção pela união
de recursos antes considerados incompatíveis.
Tomo a liberdade de citar um desses
exemplos já que vivo diariamente a importância dessa flexibilidade
científica em minha prática profissional diária.
Durante o início do desenvolvimento
do sistema de prevenção do Câncer do Colo Uterino,
nos anos 20, duas técnicas eram defendidas por diferentes escolas
de abnegados e obstinados.
A Grécia reverenciava George
Papanicolaou o criador da citologia oncótica na mesma época
em que os alemães descobriram e passaram a ensinar a Colposcopia.
Durante décadas se discutiu qual
dos dois métodos seria o mais efetivo na prevenção
do câncer do colo uterino. Hoje está consolidada a importância
dos dois métodos. O primeiro, a Citologia, se aplica à
triagem de grandes populações. O segundo, a Colposcopia,
permite o diagnóstico e o tratamento justamente dos casos considerados
suspeitos pela citologia oncótica.
O somatório imparcial e equilibrado
das técnicas, conforme suas vantagens e limitações,
tem beneficiado inúmeras famílias permitindo que o amor
maternal seja exercido em sua plenitude por mulheres bem assistidas
e saudáveis.
Não faço e nem pesquiso
a TCI, e pelo que li dos textos publicados pelos cientistas da área,
o objetivo principal é fornecer evidências científicas
sólidas, concretas, da vida espiritual.
Não existe a pretensão
de substituição do médium. Este prescinde de tecnologia
e de altos investimentos. É um instrumento vivo do amor ao próximo.
Já a TCI é um instrumento
que servirá à ciência, quando esta superar os preconceitos
positivistas e passar a utilizar sua metodologia rigorosa na pesquisa
das verdades imateriais.
A TVP nunca foi criticada por Kardec,
justamente por ser uma técnica recente. A sua prática
é restrita aos profissionais habilitados e ao tratamento de pacientes
portadores de problemas específicos.
O que não se admite é
a vã inquisição dos mentores espirituais em relação
a vidas passadas como meio de diversão. Outra atitude inadequada
é a indução regressiva em pacientes de forma indiscriminada,
sem uma real indicação para essa forma de terapia. Situação
em que a técnica é utilizada com fins e em bases levianas.
A Apometria consiste, pelo que entendi
de leituras preliminares, em uma espécie de tratamento intensivo
de desobscessão. Vários médiuns trabalham simultaneamente
em benefício de um único paciente.
A técnica permite o acesso aos
vários níveis de consciência do indivíduo
em tratamento e, também, às conexões patológicas
deste com outras entidades.
O fato de não conhecer o método
com profundidade já me desautoriza a criticá-lo, conforme
orientação do próprio Kardec. Não posso
defender um método que desconheço, mas se pessoas capacitadas,
bem intencionadas e estudiosas estão experimentando nesta área,
acredito que devemos apoiar os pesquisadores.
Eles enfrentam riscos por lidarem com
o novo e por serem discriminados pelos tradicionais. Precisam de nossas
orações para que não se percam no caminho e possam
progredir grandemente em seus conhecimentos. Assim todos seremos beneficiados
com os novos conhecimentos que passam a ser seguros, sistematizados
e reprodutíveis.
É claro que a segurança
e os limites dos métodos inovadores só serão estabelecidos
após um longo tempo de estudo e de práticas disciplinadas.
Até lá, temos que agradecer aos vanguardistas por sua
coragem e dedicação a uma causa e aos tradicionalistas
pelas críticas construtivas e ponderadas.
Como nosso Mestre Kardec, os vanguardistas
serão testados de inúmeras formas e á medida que
obtiverem sucesso contribuirão para o engrandecimento da Doutrina
Espírita, ainda que discriminados pelos mais temerosos.
Mesmo os que falirem e se desviarem
estarão contribuindo para o acúmulo de conhecimentos,
que não podem ficar restritos aos acertos. O estudo das falhas
de um determinado sistema possibilita a elaboração de
correções que melhoram a sua eficiência. Isto, certamente,
não é obtido durante a coleta dos louros do sucesso.
E não é isso temos aprendido
em nossas diversas encanações?