Em muitos centros espíritas,
nos quais tivemos a oportunidade de realizar exposições
ou participar de encontros fraternos, procuramos abordar a questão
dos “passes” com os respectivos dirigentes, tendo como dupla
finalidade conhecer e, posteriormente, comparar a forma adotada nos
trabalhos com a que nos orientam as obras codificadas por Allan Kardec.
Entre tantas observações colhidas nestes diálogos
informais alguns pontos nos chamaram mais a atenção, entre
os quais podemos citar: a utilização de luzes coloridas
na sala de passes e a movimentação dos braços na
aplicação dos mesmos. Neste artigo procurarei abordar
este último, deixando aquele para uma próxima oportunidade.
Antes de afirmarmos alguma coisa, far-se-á necessário
buscar a base doutrinária sobre a qual iremos construir nossa
singela opinião, cabendo a cada um analisá-la, buscando
a justeza dos comentários, ou descartá-la.
Em O Livro dos Médiuns, cap. XIV, Kardec
nos fala sobre a mediunidade curadora. O diálogo com os Espíritos
se inicia com a tentativa de estabelecer a diferença entre magnetizadores
e médiuns curadores. Na segunda pergunta do diálogo, do
codificador com os Espíritos, encontramos: “Se magnetizas
com o propósito de curar, por exemplo, e invocas um bom Espírito
que se interessa por ti e pelo teu doente, ele aumenta a tua força
e a tua vontade, dirige o teu fluido e lhe dá as qualidades necessárias."
Inicialmente lembraremos que a invocação de que falam
os espíritos acontece mediante uma simples oração,
uma prece, uma transmissão do pensamento do encarnado em direção
ao desencarnado. Pois bem, respondendo o desencarnado à invocação
e estando presente ao momento em que ocorrerá a transmissão
de fluidos, o mesmo:
1) Aumenta a força e a vontade
do encarnado;
2) Dirige o fluido exteriorizado pelo encarnado;
3) Dá as qualidades necessárias a estes fluidos.
Ora, se são os Espíritos desencarnados que dirigem os
fluidos e dão aos mesmos as qualidades necessárias para
aliviar, ou mesmo curar, determinada enfermidade, perguntamos: qual
a necessidade da movimentação de mãos na aplicação
do passe? Nós, como encarnados, não temos a Ciência
de manipulação dos fluidos, assim como muitos de nós
não possuímos a competência necessária para
trabalharmos com substâncias químicas com a devida cautela.
Muitos podem replicar que são os “guias”
que os intuem para direcionar as mãos para determinada parte
do corpo daquele que está recebendo os passes. Mas esta afirmação
não faz sentido, pois os Espíritos responsáveis
pelos trabalhos de passes direcionam e manipulam livremente os fluidos,
independente se as mãos do encarnado estão ou não
direcionadas para este ou aquele órgão. O Espírito
André Luiz elucida no livro “Missionários
da Luz”, capítulo 19, que não basta somente
a boa vontade para os técnicos responsáveis pela manipulação
dos fluidos, mas que precisam deter “qualidades de ordem superior
e conhecimentos especializados”. Acreditamos que uma das
causas deste bailar de mãos dos médiuns passistas reside
em uma leitura rápida e superficial das obras de André
Luiz, trazendo para a prática cotidiana das casas espíritas
técnicas com as quais não sabemos lidar, em vista de não
possuirmos “conhecimentos especializados” para
agirmos de forma direta. Existe, portanto, uma grande diferença
entre os passes aplicados por um Espírito desencarnado e por
um Espírito encarnado, pois enquanto o primeiro sabe –
quando detém as qualidades e conhecimentos necessários
– como atuar, o segundo deverá proporcionar o equilíbrio
necessário para que a exteriorização dos seus próprios
fluidos não prejudique o trabalho desenvolvido no plano espiritual
pelas entidades responsáveis.
Tendo em vista o que acabamos de desenvolver, faz-se imprescindível
que os passes, como técnicas, sejam substituídos pela
simples imposição de mãos, visto que os movimentos
“coordenados” dos braços e mãos ferem
o bom-senso e a lógica, fundamentais para que haja coerência
doutrinária.
Na Revista Espírita editada por Kardec,
encontramos um artigo no mês de setembro de 1865, intitulado “Cura
pela Magnetização Espiritual”. Este artigo aborda
um caso muito interessante de cura física, testemunhado pelo
codificador. Eis como tudo se inicia:
“Na manhã de 26 de maio
último, a Sra. Maurel, nossa médium vidente e escrevente
mecânico, deu uma queda desastrosa e quebrou o ante-braço,
um pouco abaixo do cotovelo. A fratura complicada por distensões
no punho e no cotovelo, estava bem caracterizada pela crepitação
dos ossos e inchação, que são os sinais mais
certos.”
Os pais da médium estavam prontos
para chamar um médico quando a mesma “tomou de um lápis
e escreveu mediunicamente, com a mão esquerda: "Não
procureis um médico; eu me encarrego disto. Demeure"
[ver nota ao final]”. Às noites dos dias 26, 27, 28, 29
e 30 de maio de 1865, um grupo de pessoas eram convidadas à casa
da Sra. Maurel para acompanharem o tratamento, o qual tinha início
com a magnetização da médium, que entrava em transe
sonambúlico aguardando a atuação dos Espíritos.
Em determinado trecho do artigo, Kardec formula uma indagação
e a responde logo em seguida:
“Qual o papel do médium
magnetizador durante esse trabalho?
Aos nossos olhos parecia inativo; com a mão direita apoiada
na espádua da sonâmbula, contribuía com sua parte
para o fenômeno, pela emissão de fluidos necessários
à sua realização”.
Aqui interrompemos o nosso relato, solicitando aos interessados para
lerem o artigo na íntegra, e voltamos ao objetivo a que nos propomos
atingir, acrescentando que no dia 04 de maio de 1865, portanto oito
dias após o acidente, a médium estava totalmente curada.
A resposta de Kardec à sua própria indagação
conclui de forma direta o que temos procurado demonstrar, ou seja, que
os médiuns passistas são doadores de fluidos, os quais
são manipulados e dirigidos pelos Espíritos.
Terminando, finalmente, nossa breve reflexão, direcionamos o
leitor interessado em um maior aprofundamento na questão ao estudo
do capítulo XIV – Os Fluidos, do livro “A
Gênese”, de Allan Kardec; indicamos, igualmente,
a leitura do capítulo “O Passe”,
do livro “A Obsessão, o Passe, a Doutrinação”,
de José Herculano Pires, que inicia seus apontamentos afirmando:
“O passe espírita
é simplesmente a imposição das mãos, usada
e ensinada por Jesus como se vê nos Evangelhos”.
Nota - Demeure é um Espírito que em sua
vida como encarnado tinha sido médico e, após o desenlace,
continuou a trabalhar no plano espiritual, inclusive dando conselhos
ao codificador sobre os cuidados que o mesmo deveria ter com relação
ao seu desgaste físico, conforme lemos em Obras Póstumas,
segunda parte – Instruções para a saúde do
Sr. Allan Kardec.