O movimento espírita consegue
aglutinar um grande corpo de voluntários na manutenção
de atividades assistenciais. Promoções beneficentes,
campanhas de arrecadação de alimentos, de vestuário,
tornam-se um polo aglutinador de pessoas interessadas em praticar
a caridade. O complexo assistencial que o movimento espírita
mantém, às custas de doações e de
muito trabalho de voluntários, é respeitado em todo
o País.
Mas quando se trata da organização de determinada
atividade cultural, os voluntários são bem poucos.
Estudo, participação em seminários, simpósios,
realizações que conduzem as pessoas à reflexão
nem sempre atraem um número razoável de participantes.
Muitos eventos subsistem em função da postura abnegada
de um parco número de pessoas, que sacrificam suas horas
de lazer na organização e promoção
de eventos de natureza cultural.
Tentar inverter ou subverter a mentalidade das pessoas que se
dedicam ao assistencialismo seria um contrassenso. Num país
cheio de misérias como o nosso, trabalhar em prol do próximo
torna-se um dever cívico, tanto quanto moral. Se estivéssemos
na Suíça a postura seria outra, já que nesse
país não há a miséria que existe por
aqui. Mas estamos no Brasil, com índices alarmantes no
campo social. Justamente por isso que todo trabalho no campo cultural
e educacional é sempre bem-vindo. Cultura e educação
são excelentes preventivos da miséria. E o espiritismo,
com efeito, pelo seu apelo cultural e educativo, se constitui
num poderoso auxiliar da prevenção à violência,
miséria, corrupção e tantas outras mazelas
de nosso dia-a-dia.
Todavia, por que muitos dos que assumem uma postura mais arejada,
sem dogmatismos, voltada para a reflexão e o autoconhecimento,
na hora de arregaçar as mangas para trabalhar se omitem?
Onde estão os livres-pensadores que o espiritismo produz?
Por que grande parte deles assume uma postura individualista?
Por que pouco produzem e agem à margem de tantas realizações
e atividades? Talvez a resposta a essas questões esteja
não somente na natureza humana, mas também na natureza
da filosofia espírita. “O poder do espiritismo está
em sua filosofia”, afirmou Kardec de forma categórica.
Pois o tempo demonstrou que o espiritismo somente será
efetivamente respeitado se oferecer à sociedade uma contribuição
que extrapole o assistencialismo. Se possuíssemos um Estado
eficiente, grande parte das instituições espíritas
se tornariam inúteis. A contribuição espírita
é muitíssimo maior do que os milhares de passes
e pratos de sopa distribuídos diariamente pelo Brasil afora.
O espiritismo, bem compreendido e vivenciado, é um convite
à reflexão, à autocrítica, a uma tomada
de consciência. Entra-se num processo de transformação,
de ruptura, de rearticulação dos fatores morais
e intelectuais.
O produto final desse processo não é o crente, no
sentido daquele sujeito crédulo, pio, ingênuo e que,
em função da mentalidade mágica, torna-se
submisso, facilmente manipulável. E nem o ativista xiita,
meio terrorista, guerrilheiro, sectário, pronto para explodir
de indignação, uma espécie de coquetel molotov
ambulante.
Também não é o iconoclasta, o “quebra-santo”,
qual Policarpo Quaresma disposto a reformar tudo aquilo que não
corresponda ao seu ideário.
A filosofia espírita produz livres-pensadores, pessoas
livres de dogmatismos, do medo do sobrenatural, solidárias,
idealistas, ao menos em tese, pois numa época onde o hedonismo
e o individualismo dominam o cenário social, fica difícil
não ser influenciado. Some-se a isso a sensação
de liberdade que o espiritismo oferece na medida em que o sujeito
toma consciência de sua natureza, dos mecanismos que permeiam
sua existência, a percepção da imortalidade,
o processo evolutivo... Ele se assume como sujeito livre, independente,
consciente de suas limitações e de suas possibilidades.
Todavia, não é qualquer um que consegue conciliar
o espírito solidário com sua liberdade, solitária,
individual, única e muitas vezes impregnada de egoísmo.
O aconchego do lar, da família, as futilidades do dia-a-dia,
as injunções sociais, são componentes sedutores
que desafiam o maior dos idealistas. Não é qualquer
um que sacrifica momentos de lazer, um fim de semana prolongado,
para se dedicar ao estudo e divulgação do espiritismo.
É preciso paixão, grande dose de paciência,
um ideal renovador e muita, mas muita perseverança, elementos
fundamentais na realização de qualquer práxis
social ou cultural. São virtudes que se adquirem vivendo,
trabalhando, existindo...