Ainda que Nicolau Copérnico não
tivesse a intenção de fazer algo tão ousado no
tratado que publicou no século XVI, ele deu vazão à
ideia de que os seres humanos não ocupam um lugar central no
universo. Quase 500 anos depois de colocarmos o sol no centro dos movimentos
cósmicos, passamos a ver a nós mesmos como apenas uma
das muitas espécies de um planeta que orbita uma estrela nos
rincões de uma galáxia dentro do universo que chamamos
de lar.

Ainda que Nicolau Copérnico não tivesse
a intenção de fazer algo tão ousado no tratado
que publicou no século XVI, ele deu vazão à ideia
de que os seres humanos não ocupam um lugar central no universo.
Quase 500 anos depois de colocarmos o sol no centro dos movimentos cósmicos,
passamos a ver a nós mesmos como apenas uma das muitas espécies
de um planeta que orbita uma estrela nos rincões de uma galáxia
dentro do universo que chamamos de lar. E esse pode ser apenas parte
de um conjunto de muitos universos chamado pelos cosmólogos –
alguns mais céticos que outros – de multiverso.
Apesar de passarmos tantos séculos perdendo posições
na hierarquia universal, continuamos confiantes em nossa capacidade
de compreender o cosmos – chamado por Timothy Ferris
de "essa coisa toda" – aqui da beira do abismo cósmico.
Novas partículas ainda podem ser descobertas, sem falar em novas
leis. Porém, já é praticamente certeza que tudo
– da física à biologia, incluindo a mente –
se resume a quatro conceitos fundamentais: matéria e energia
interagindo em uma arena de tempo e espaço.
Existem céticos que acreditam que a ciência tenha ignorado
uma peça fundamental do quebra-cabeça. Recentemente, fiquei
impressionado com dois livros que exploram essa possibilidade de formas
diferentes. Neste século, não existe nada que indique
que o homo sapiens tenha conseguido reunir todas as peças necessárias
para construir uma teoria de tudo. Ao retirar a humanidade de sua posição
privilegiada, o princípio de Copérnico se aplica não
apenas a onde estamos no espaço, mas também em que momento
nos encontramos no eixo do tempo.
Desde que foi publicado em 2012, "Mind and Cosmos"
(A mente e o cosmos, em tradução literal), do filósofo
Thomas Nagel, tem causado muito incômodo. Com
um subtítulo provocativo – "Porque a concepção
materialista neodarwinista de natureza provavelmente está errada"
– Nagel rejeita a ideia de que não exista nada no universo
além de matéria e de forças físicas. Ele
também questionou se as leis da evolução –
tais como são atualmente concebidas – seriam capazes de
produzir algo tão incrível quanto a vida consciente. A
ideia é praticamente um anátema científico, e o
livro foi rapidamente contra-atacado. O psicólogo de Harvard
Steven Pinker afirmou que o livro não passa
de um conjunto de "ideias estapafúrdias de um homem que
já foi um grande pensador".
O que faz "Mind and Cosmos" ser uma boa leitura é o
fato de Nagel ser ateu e rejeitar a ideia criacionista de um designer
inteligente. As respostas, segundo ele, ainda podem ser encontradas
pela ciência, desde que ela se abra a mais possibilidades do que
talvez deseje.
"Os
seres humanos são viciados na ideia de que já tenhamos
chegado ao cômputo final", escreveu, "mas a humildade
intelectual exige que a gente resista a tentação de
crer que as ferramentas que possuímos neste momento são
suficientes para que possamos compreender todo o universo".
Nagel afirma ser impressionante que
o cérebro humano – esse órgão biológico
que evoluiu no terceiro planeta do sistema solar – tenha sido
capaz de desenvolver uma ciência e uma matemática tão
em sintonia com o cosmos, a ponto de prever e explicar tantas coisas.
Os neurocientistas supõem que esses poderes mentais surjam dos
sinais elétricos enviados pelos neurônios – que compõem
a rede elétrica cerebral. Porém, ninguém chegou
perto de explicar como isso acontece.
Nagel propõe que isso possa exigir outra revolução:
mostrar que a mente, assim como a matéria e a energia, é
"um dos princípios fundamentais da natureza" –
e que vivemos em um universo pronto para "gerar seres capazes de
compreendê-lo". Ao invés de ser uma cadeia cega de
mutações e adaptações, a evolução
teria uma direção e, talvez, até mesmo um propósito.
"Mais do que qualquer outra coisa",
escreveu, "eu gostaria de estender os limites dos conceitos que
não são considerados impensáveis, tendo em conta
o quão limitada é nossa compreensão deste mundo".
Nagel não é o único
a desenvolver essas ideias. Embora rejeite qualquer coisa mística,
o biólogo Stuart Kauffman sugere que a teoria
darwinista precise ser expandida para explicar o surgimento de criaturas
inteligentes e complexas. E o filósofo David J. Chalmers
convoca os cientistas a pensarem a sério a respeito do "pampsiquismo",
- a ideia de que algum tipo de consciência, ainda que rudimentar,
perpasse toda a trama do universo.
Parte disso é uma questão de gosto científico.
Essa noção pode ser tão emocionante quanto a definição
de Stephen Jay Gould em "Wonderful Life",
que convida o leitor a considerar a mente consciente como uma simples
coincidência, inevitável como o apêndice humano ou
as cinco pernas de uma estrela-do-mar. Porém, não seria
loucura pensar em explicações alternativas.
Caminhando em outra direção, o novo livro do físico
Max Tegmark sugere que um ingrediente diferente –
a matemática – precise se tornar mais um dos elementos
irredutíveis da natureza. Na verdade, ele acredita que esse talvez
seja o mais influente de todos.
Em um famoso ensaio publicado em 1960, o físico Eugene
Wigner ficou maravilhado com "a eficácia desmedida
da matemática" para explicar os fenômenos do mundo.
É algo que "chega a beirar o misterioso", escreveu,
já que "não existe explicação racional".
A melhor definição que ele foi capaz de oferecer é
a de que a matemática é "um dom maravilhoso que nós
não entendemos, nem merecemos".
Em seu novo livro, "Our Mathematical Universe: My Quest
for the Ultimate Nature of Reality" (Nosso universo matemático:
Minha busca pela natureza final da realidade, em tradução
literal), Tegmark vira essa ideia de ponta-cabeça: a razão
pela qual a matemática é uma ferramenta tão poderosa
é que o universo é uma estrutura matemática. Indo
além de Pitágoras e Platão, ele tenta mostrar como
a matéria, a energia, o tempo e o espaço podem ter surgido
a partir dos números.
Mas, apesar de todo o seu poder, a matemática pode realmente
ser a raiz da realidade? Ou ela é um produto da mente humana?
Ao fazer a crítica do livro de Tegmark para o The New York Times
Book Review, o matemático Edward Frenkel destacou que apenas
uma pequena parcela do vasto oceano da matemática parece ser
capaz de descrever o mundo real. O restante parece girar apenas em torno
de si mesmo. E essa pureza é justamente parte daquilo que a torna
tão atraente.
Terminei a leitura desses dois livros me sentindo puxado em direções
contrárias. Aqui neste planeta, ao longo das 5.000 órbitas
desde que as pessoas começaram a deixar marcas em papiros e placas
de argila, chegamos longe em nossa descrição das vastidões
do além. Ao menos essa é a impressão que temos.
Porém, daqui a décadas ou milênios – seja
aqui ou em algum lugar que ainda nem foi imaginado – a ciência
da Terra em 2014 parecerá pouco mais que um bom começo.
Cegos como morcegos: a batalha da mente contra o corpo
Cerca de 40 anos antes da publicação de "Mind and
Cosmos", o filósofo Thomas Nagel falou a respeito das dificuldades
encontradas por cientistas que desejam explicar como o cérebro
humano deu origem à consciência. Seu ensaio, um dos mais
influentes da filosofia da mente, se chama "Como é ser um
morcego?". Ao emitirem "sons rápidos, sutilmente modulados
e de alta frequência" e compará-los como ecos, afirmou
Nagel, os morcegos criam um mapa mental tridimensional e altamente detalhado
do mundo. Mas nós humanos somos fundamentalmente incapazes de
imaginar – e compreender – a vida interior desses animais.
A experiência subjetiva, concluiu, é irredutível
em termos físicos. De forma que até mesmo as teorias mais
precisas a respeito do cérebro nunca darão conta da completude
da existência do fenômeno mental.
Diversos filósofos, como Patricia Smith Churchland e Daniel C.
Dennett, acreditam que Nagel esteja errado. Segundo eles, a mente não
é nada mais do que aquilo que o cérebro faz – uma
forma diferente de descrever o mesmo fenômeno. Toda a neurociência,
incluindo uma pesquisa cerebral avaliada em 100 milhões de dólares,
anunciada no ano passado pelo governo, se baseia tacitamente nessa premissa.
Algum dia, quando os cientistas já tiverem mapeado e analisado
toda a rede neural, escondida em algum lugar em meio aos detalhes estará
a explicação para a consciência.
Acreditar no contrário, assim como Nagel, implica na noção
de que o mental seja fundamentalmente diferente do físico. O
problema do corpo e da mente, conforme definem os cientistas, data ao
menos dos tempos de Platão e Aristóteles. Daqui a um século,
o debate provavelmente ainda estará presente. Independentemente
de quem esteja correto, o cérebro humano pode ser simplesmente
incapaz de compreender a si mesmo, não importa o quanto tentemos
entendê-lo.
- GEORGE JOHNSON
Fonte: The New York
Times News Service/Syndicate
http://nytsyn.br.msn.com/cienciaetecnologia/para-al%C3%A9m-da-energia-da-mat%C3%A9ria-do-tempo-e-do-espa%C3%A7o
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