-> Questões acerca da natureza do
Espiritismo - VII
Encerrando a série, o presente artigo ressalta a necessidade
de se prosseguir no desenvolvimento das pesquisas científicas
espíritas ao longo das linhas traçadas pelo próprio
programa espírita de investigação iniciado
por Kardec, em integração com os outros aspectos do
Espiritismo. [1]
Questão:
Algumas pessoas alegam que a ênfase religiosa tem
prejudicado os aspectos científicos da doutrina, propondo
um “Espiritismo não-religioso” ou “laico”.
Dizem que a pesquisa espírita tem sido relegada a segundo
plano, ou que praticamente não existe. O que caracterizaria
uma pesquisa científica espírita? Seria um ramo separado
da ciência ou uma postura diferenciada dentro dos ramos atuais?
O que poderia ser feito para incentivar o desenvolvimento dessa
pesquisa?
Resposta:
Como foi ressaltado no terceiro artigo desta série,
a genuína religião está na busca e cultivo
de princípios morais capazes de nos colocar em harmonia com
o plano da Criação, transformando-nos gradualmente
em seres felizes que espalham felicidade ao seu redor. Assim entendida,
a religião integra-se naturalmente à ciência
espírita, pois que é esta que determina as conseqüências
globais das ações humanas a curto e longo prazos,
formando a base experimental sobre a qual a razão operará
para identificar os preceitos de conduta que nos aproximem da felicidade.
Ver, portanto, antagonismos ou tensões quaisquer entre a
religião e a ciência espíritas constitui evidência
de pouco estudo e pouca reflexão sobre a verdadeira índole
do Espiritismo.
Infelizmente, o despreparo e os atavismos de muitos indivíduos
que colaboram de boa vontade nas fileiras espíritas fazem
com que certas práticas pouco condizentes com a pureza doutrinária
se implantem em diversas instituições, e acabem mesmo
divulgadas em palestras, livros e periódicos ditos espíritas.
Quem compreende essa situação deve trabalhar para
modificá-la. Mas a via para isso é a do esclarecimento,
do estudo, do convencimento pela razão e pelo amor, jamais
os anátemas ou, o que é ainda pior, o repúdio
daquilo que se supõe ser o “aspecto religioso do Espiritismo”.
É provável, aliás, que essa “rejeição
do bebê com a água do banho” tenha pesado muito
no declínio e virtual extinção do movimento
espírita em países europeus a partir, digamos, do
início do século. Não se pode mutilar um corpo
doutrinário integrado, como o é o Espiritismo, sem
arcar com efeitos drásticos, seja qual for a área
em que o tenhamos atingido. (Em movimento oposto ao indicado na
questão, pode-se querer desprezar as bases científicas
do Espiritismo, e as conseqüências não seriam
melhores).
A esse respeito, são expressivas as palavras do presidente
da Union Spirite Française et Francophone, Roger Perez, em
recente entrevista concedida ao jornal paranaense Universo Espírita
(ver referências). Perguntado sobre se teria uma explicação
para o quase desaparecimento do movimento espírita na França
(até sua recente renovação), inicia sua lúcida
e firme resposta nestes termos (o destaque é meu): “Sim.
Há uma muito simples. Quando o Espiritismo não
é aplicado com as regras ditadas por Allan Kardec, ele morre.”
Quanto à pesquisa científica espírita, acredito
que sua natureza já tenha sido salientada indiretamente nos
artigos precedentes desta série. Em artigo publicado em 1991
sob o título “A ciência espírita”
abordo explicitamente o tema, ainda que de forma breve, lembrando
que constitui equívoco imaginar que essa pesquisa deva dar-se
nas mesmas instituições e com os mesmos métodos
e pressupostos teóricos que os das ciências da matéria.
O reconhecimento desse ponto seria de suma importância hoje
em dia, quando se nota uma inclinação de muitos espíritas
na direção de linhas de pesquisa científica
e filosoficamente primitivas relativamente à do genuíno
Espiritismo.
A afirmação de que não se têm realizado
pesquisas científicas espíritas parece resultar de
uma compreensão deficiente do que sejam a ciência e
o Espiritismo. Após as fundamentais realizações
de Allan Kardec, que instituíram o paradigma científico
espírita, outros investigadores encarnados e desencarnados
prosseguiram em sua extensão, não necessariamente
em laboratórios acadêmicos, porque não é
aí que os fenômenos relativos ao espírito podem
mais apropriadamente ser estudados, mas nos centros espíritas,
no recesso dos lares, no mundo espiritual e onde quer que se possa
observar e refletir sobre a face espiritual do ser humano.
Gosto de dar como exemplos de pesquisadores espíritas André
Luiz, Philomeno de Miranda e Yvonne Pereira, dentre tantos outros,
que, num trabalho silencioso e fecundo, enriqueceram o acervo de
informações e reflexões sobre os fenômenos
anímicos e mediúnicos, as condições
da vida no plano espiritual, a lei de causa e efeito, etc. Quem
ler suas obras apenas superficialmente, ou com inadequado senso
científico, tenderá a ver nelas apenas romances, historietas
e narrações literárias, quando na realidade
seu objetivo primordial é bem outro.
No referido artigo, aponto, a título
ilustrativo e de modo muito esquemático, algumas áreas
importantes de investigação espírita. Transcrevo
aqui a lista, com adaptações: [2]
-
Evolução do
espírito: o elemento espiritual dos seres dos reinos
inferiores, origem dos espíritos humanos, encarnação
e reencarnação, pluralidade dos mundos habitados.
-
O mundo espiritual: constituição,
leis que o regulam, interação com o mundo material.
-
Interação espírito-corpo:
perispírito, efeitos psicossomáticos, mediunidade.
-
Implicações
morais (uma área científica e filosófica):
livre-arbítrio, lei de causa e efeito.
Em suma, o incentivo e incremento
das pesquisas científicas espíritas deve principiar
com a identificação e o abandono de abordagens incipientes
ou pseudo-científicas, prosseguir com a adesão às
linhas de pesquisa paradigmáticas da doutrina, e passar ao
estudo filosófico das conseqüências da ciência
espírita para a questão de nosso acerto com as normas
morais evangélicas, sem o que essa ciência se tornará
estéril.