O que é uma
Ciência?
A visão clássica da Ciência assume que uma
disciplina é uma ciência quando adota um método
específico chamado de método científico.
Um ramo da Filosofia denominado de Filosofia da Ciência
trata da explicação, compreensão e elaboração
do método científico. De acordo com esta visão,
uma ciência é criada a partir de um longo processo
de coleta de informações, através da observação
de fenômenos (ou objetos) a serem estudados. As informações
colhidas dariam origem a leis, e a junção de várias
leis formariam as teorias científicas que seriam responsáveis
por explicar os fenômenos observados e prever novos acontecimentos.
O ápice desta visão ocorreu durante as décadas
de 20 e 40 do século passado e ficou conhecido como positivismo
lógico. Ao longo das décadas seguintes, questões
importantes foram levantadas contra esta concepção
filosófica, fazendo-se restrições variadas.
Dentre estes críticos destacam-se Karl Popper, Thomas Kuhn,
Imre Lakatos, Paul Feyrabend e Willard Quine. Uma visão
mais atual da Filosofia da Ciência, não compartilhada
ainda por todos os cientistas, define que na atividade científica,
a observação dos fatos e as teorias desenvolvem-se
juntas numa ampla experimentação de hipóteses,
apoiadas numa ampla discussão em torno de novos fatos,
e ao contrário do que defendia o positivismo, as teorias
poderiam ser de caráter metafísico, sendo mais importantes
a capacidade destas teorias de explicarem os fenômenos adequadamente,
fazer previsões empíricas e ter a virtude da simplicidade
e abrangência. Resumidamente: uma ciência completa
possui um núcleo teórico principal formado por leis
fundamentais, um grupo de hipóteses auxiliares que servem
de conexão com o grupo de fatos. Eventuais discordâncias
entre a teoria e os fatos, seriam resolvidas por ajustes nas hipóteses
auxiliares.
O Método Espírita
Kardec presenciou os fenômenos das mesas girantes, e por
ter uma personalidade curiosa e investigativa, tomou para si um
propósito de explicar o que estava acontecendo. Kardec
tinha uma profunda base científica e filosófica,
e usando destas resolveu se debruçar sobre estes fenômenos,
como o astrônomo que diante das estrelas procura conhecer
os seus segredos. A princípio cético e sem nenhuma
pressuposição, passou a freqüentar mais assiduamente
às sessões mediúnicas, cujo desenrolar e
conteúdo logo o levaram a aprofundar sua pesquisa. Com
seu espírito observador, passou a aplicar o método
da observação experimental nos fenômenos que
se manifestavam. Ele estudou as mensagens transmitidas pelos médiuns
tão friamente e racionalmente, como estudou os próprios
médiuns, avaliando seu linguajar, sua educação
ou sua cultura geral, e concluiu que eles não poderiam
de forma alguma tecer comentários tão profundos
e superiores como das pessoas mais sábias que pisaram o
planeta, ou tão banais e simplórios como de qualquer
pessoa sem estudo, muito aquém do nível destes médiuns.
Algumas mensagens eram de conhecimento muito íntimo de
pessoas já falecidas, que de nenhuma forma eram do conhecimento
geral, e outras muito racionais para uma personalidade poética,
ou muito poética para uma personalidade prática.
Ouviu explicações variadas de temas importantes,
como Deus, o homem, a natureza ou o sentido da vida. Não
tinha outra explicação plausível: os mortos
se manifestavam por esses médiuns e toda uma nova filosofia
nascia, toda uma nova série de fenômenos se apresentava,
era chegado o momento de revelar ao mundo a doutrina dos espíritos.
Ele acreditava na manifestação dos espíritos
pela profundidade e pela lógica do que se discutia e se
apresentava, não pela manifestação em si,
ou pelas mudanças apresentadas pelos médiuns, seja
na voz ou na postura ou por algum efeito físico concomitante
como materializações ou levitação
de objetos. A beleza, a simplicidade, a coerência e a unidade
de visão do que os espíritos falavam era que tornava
convincente esta realidade.
Ele usou o que hoje se poderia nomear na filosofia fenomenológica
de redução eidética [1].
Ele fez múltiplas perguntas a vários médiuns
diferentes e de vários níveis de cultura, e coletou
uma série de respostas sobre os mais diversos temas. Destas
respostas ele procurou uma unidade, procurou retirar o que era
imutável, retirar a sua essência e disto surgiu o
que representava o pensamento dos espíritos de escol para
a humanidade, e nos foi dada a Ciência dos Espíritos.
O Espiritismo como Ciência
Vimos portanto que o método empregado por Kardec para a
fundamentação da Doutrina Espírita foi o
método da observação experimental e se ajusta
perfeitamente ao que se faz em ciência para descobrir as
leis que regem os fenômenos investigados. A partir dos dados
coletados e avaliados, Kardec provou a existência do espírito,
que é a sua essência, o seu Eu que sobrevive à
morte e que é a sede das emoções e do pensamento,
pois esse Eu retornara do túmulo e através da mediunidade
“de efeitos intelectuais”, apresentava
uma personalidade que era reconhecida por amigos, parentes, conhecidos
ou por uma avaliação da cultura que apresentava,
por suas idéias particulares ou sua moral. Era como uma
impressão digital insubstituível, uma característica
que era própria ou uma lembrança que era particularmente
sua. E estas características ou lembranças servem
para comprovar a identidade de uma pessoa, como também
a sobrevivência desta pessoa à morte, como tantas
vezes se apresentou na história do Espiritismo. Não
se pode dizer que a Ciência Espírita, seja uma ciência
tradicional nos moldes da Biologia, da Química ou da Física.
Não temos para apresentar ao mundo o peso de um espírito,
ou sua composição química, ou um molde de
seus órgãos internos, pois o Espiritismo não
é do domínio da ciência tradicional, mas é
uma ciência por seu método científico de investigação
e uma Filosofia moral por suas implicações. Como
disse Kardec (1857/2003):
“As ciências ordinárias repousam sobre
as propriedades da matéria que se pode experimentar e manipular
à vontade; os fenômenos espíritas repousam
sobre a ação de inteligências que têm
a sua própria vontade e nos provam a cada instante que
elas não estão à disposição
dos nossos caprichos. As observações, portanto,
não podem ser feitas da mesma maneira; elas requerem condições
especiais e um outro ponto de partida; querer submetê-las
aos nossos processos ordinários de investigação,
é estabelecer analogias que não existem. A Ciência,
propriamente dita, como ciência, portanto, é incompetente
para se pronunciar na questão do Espiritismo: não
tem que se ocupar com isso e seu julgamento, qualquer que seja,
favorável ou não, não poderia ter nenhuma
importância. (p. 23-4)”
Donde se conclui que o Espiritismo não necessita da Ciência
Materialista ou de seus cientistas, pois nem a Ciência nada
tem a oferecer ao Espiritismo em sua fundamentação
nem os cientistas podem explicar os fenômenos espíritas
mais coerentemente que seus estudiosos. Não devemos pois
incorrer no erro dos grupos de estudos que surgiram após
a doutrina espírita como a Metapsíquica de Charles
Richet, a Sociedade de Pesquisas Psíquicas inglesa ou americana
ou a própria Parapsicologia que tenta estudar entre outras
coisas a existência do espírito ou a sobrevivência
do mesmo à morte, usando de fundamentos positivistas (o
que é uma incoerência, pois o positivismo exclui
a metafísica).
Nas palavras de Aécio P. Chagas (1995):
“Muitos estudiosos
têm se envolvido numa determinada linha de pesquisa, que
remonta à época das mesas girantes, e que tem por
objetivo provar a existência do Espírito através
de métodos físicos. Apesar de não estar só,
em minha obscura opinião, esta linha não chegou
e nem chegará a nada, pois os métodos físicos
são adequados para estudar a matéria (foram feitos
para isto). Caso alguém evidencie a presença do
Espírito através de um método físico,
cabe sempre um questionamento metodológico, e daí
não se chega a parte alguma. Por outro lado, muitos confrades
poderiam ainda argumentar com o fato de Kardec, em suas obras,
mencionar várias vezes que o Espiritismo e a Ciência
marchariam lado a lado. Estas afirmações poderiam
causar (e causam) em muitos leitores a impressão de que
Kardec falava das ciências da matéria. Creio que
Kardec tinha em mente a Ciência Espírita, que ele
acreditava com toda a certeza, que ainda estava no começo
e que iria crescer...”
A este respeito também comenta Sílvio S. Chibeni
(1988):
“... é preciso cautela no entendimento da progressividade
do Espiritismo...ela deve ocorrer...sem recurso a elementos estranhos,
venham de onde vierem, sob o risco de este perder sua consistência...a
harmonia com as conquistas da Ciência não deve ser
buscada irrestritamente e a qualquer preço, visto estar
ela, em suas proposições abstratas, constantemente
sujeita a enganos e retificações...aparentemente,
os que em nossos dias advogam a tese do ”ajuste à
Ciência” ainda não se deram conta desse fato,
nem perceberam que...em A Gênese, Kardec
deixou clara uma ressalva, ao falar desse ajuste...”
A passagem comentada por
Chibeni em “A Gênese”
de Kardec (1868/2002) é a seguinte:
“O Espiritismo não coloca, pois, como princípio
absoluto, senão o que está demonstrado como evidência,
ou que ressalta logicamente da observação. Tocando
em todos os ramos da economia social, às quais presta o
apoio de suas próprias descobertas, assimilará sempre
todas as doutrinas progressivas , de qualquer ordem que sejam,
chegadas ao estado de verdades práticas,
e saídas do domínio da utopia; sem isso se suicidaria;
cessando de ser o que é, mentiria à sua origem e
ao seu fim providencial” (p. 40).
Como vimos, o Espiritismo e a Ciência Positivista são
de domínios diferentes, e portanto, estudos que visam desvendar
características materiais, usando aparelhos para captar
manifestações que são intimamente de outra
ordem, são esforços desperdiçados e de pouca
utilidade pois a existência do espírito para o espírita
já é uma realidade objetiva nas mesas mediúnicas.
Quando na verdade, deveríamos estar aumentando nosso conhecimento
sobre a mediunidade e seu desenvolvimento, o plano espiritual,
as conseqüências de nossos atos, ou melhorando-nos
moral e eticamente, pois a finalidade da vida revelada pelos espíritos
é o aperfeiçoamento da alma e a eliminação
de nossas deficiências, desenvolvendo um espírito
de caridade e amor por nossos semelhantes.
Notas:
[1] – “A Redução
Eidética (em grego, éidos significa essência
ou idéia, no sentido platônico) é o momento
em que a consciência deve tornar-se capaz de perceber que,
para além da coisa, com o seu conjunto de dados sensíveis
ou psíquicos, há um sentido nela latente. O sujeito
do conhecimento deve tornar-se capaz de perceber esse sentido
para além da coisa. É preciso perceber que as aparências
encobrem o sentido que deve ser desvelado. Nesse momento, a consciência
torna-se segura de que há um "interior", uma
essência, para além das aparências”.
Em: http://www.filosofiaclinica-ce.com..br/rotas/fernaocapelo.html#
(Rota 003 - Viagem pela Fenomenologia - Fenomenologia: Informações
Elementares, em 15/11/2003)
Fontes:
Chagas, Aécio Pereira (1987). As
provas científicas. Artigo publicado em Reformador, agosto
de 1987, pp. 232-33.
__________________ (1995). A Ciência confirma o Espiritismo?
Artigo publicado em Reformador, julho de 1995, pp. 208-11.
Chibeni, Silvio Seno (1988). A excelência metodológica
do Espiritismo. Artigo publicado em Reformador, novembro de 1988,
pp. 328-33 e dezembro de 1988, pp.373-78.
_________________ (1991). Ciência espírita. Artigo
publicado na Revista Internacional de Espiritismo, março
de 1991, pp. 45-52.
_________________ (1994). O paradigma espírita. Artigo
publicado em Reformador, junho de 1994.
_________________ (2003). O Espiritismo em seu tríplice
aspecto: científico, filosófico e religioso. Texto
elaborado para o XII Congresso Estadual de Espiritismo (USE) –
Tema 4.10 Campinas, 17 a 20/04/2003.
Guiot, Alain e Gisèle (1999). A verdade revelada por Allan
Kardec – a atualidade do ensinamento kardecista. São
Paulo: Madras.
Kardec, Allan (1857/2003). O livro dos espíritos. Araras,
SP: IDE.
__________ (1868/2002). A gênese. Araras, SP: IDE.