No início dos anos 1990,
em programas da Universidade Estadual Paulista-UNESP, estivemos
representando-a em algumas viagens a Cuba. Numa das oportunidades
integramos comitiva oficial de dirigentes universitários
com objetivo de conhecer seus programas de educação
e saúde, e assinar convênios institucionais, inclusive
com acesso a eventos com a presença do presidente e vários
ministros.
Numa dessas viagens oficiais obtivemos autorização,
acompanhado de um vice-ministro, para audiência na sede do
governo - o Palácio da Revolução -, com o já
idoso ministro dr. José Felipe Carneado, chefe do Departamento
de Assuntos Religiosos do Comitê Central do Partido Comunista
Cubano, que era apelidado pela equipe governamental como "nosso
cardeal".
Ao retornarmos, publicamos um registro sintético da inusitada
ocorrência em artigo na Revista Internacional de Espiritismo.(**)
O ministro nos esclareceu como aquele governo lidava com os cultos
religiosos desde os primeiros tempos da revolução
até aqueles dias. Citou episódios históricos
e justificou algumas restrições envolvendo várias
religiões; entrou em detalhes sobre os cultos afros, muito
populares em função da escravidão vigente em
séculos passados; e a relação amistosa com
a maçonaria. Naquela oportunidade - fevereiro de 1992 - informou-nos
que o Congresso do Partido Comunista Cubano (que rege o governo
daquele país) de 1991 já introduzia novidades iniciais,
reconhecendo alguns religiosos.
Ao final da entrevista cordial, o ministro nos ofereceu livro sobre
o tema e entregamos a ele um exemplar de nosso livro - então
recente - Entre a matéria e o espírito (Casa
Editora O Clarim). Para surpresa nossa ele nos solicitou uma dedicatória.
Em seguida, acompanhado de um assessor governamental, fomos levado
a conhecer médium da popular "santeria" - equivalente
ao candomblé de nosso país -, muito disseminado naquele
país e sentimos que haveria um beneplácito oficial.
Na década seguinte, tivemos contatos com companheiros do
Conselho Espírita Internacional que já labutavam na
área espírita em ações relacionadas
com Cuba e que nos informaram sobre o início de um processo
de liberação dos cultos religiosos e inclusive do
Espiritismo. Destacamos Edwin Bravo, da Guatemala, e coordenador
do Conselho Espírita Internacional para a América
Central e Caribe, principal responsável pela abertura ao
Espiritismo junto a autoridades cubanas, contando com o apoio de
espíritas radicados naquele país, como a família
Agramonte, e de Manuel de la Cruz, de origem cubana, mas radicado
em Miami (EUA).
No primeiro semestre de 2004 já houve um evento espírita
em Havana e liberado pelo governo cubano. Outros eventos ali foram
realizados com apoio do CEI-América Central e Caribe. Por
solicitação e estímulo dos já citados
companheiros e com total apoio de Nestor João Masotti - então
secretário geral do CEI e presidente da FEB - foi doado a
Cuba um "container" repleto de livros espíritas
em espanhol.
Em 2011 foi reinaugurado o busto de Allan Kardec em praça
na cidade de Havana. Havia sido erigido em 1957 e retirado em seguida
a 1960.
Quando o Conselho Espírita Internacional aprovou que o 7o
Congresso Espírita Mundial, seria realizado em Havana, por
delegação do então secretário geral
do CEI o representamos em vários contatos diretos naquele
país. Em 2011 atuamos no 6o Congresso Espírita Centroamericano
e do Caribe e o 27o Congresso Espírita Cubano, realizado
na cidade de Bayamo, com excelentes diálogos com autoridades
do país e lideranças espíritas do país,
e conhecemos centros tradicionais daquela região oriental.
Interessante é que naqueles dias ocorria o Congresso do Partido
Comunista Cubano e o presidente do país, pela primeira vez,
citou os espíritas no seu discurso. No mesmo ano retornamos
com tarefas específicas para preparação do
Congresso Mundial juntamente com a Comissão de Apoio do CEI
para o 7o Congresso Espírita Mundial. Representando o CEI
estivemos em reunião com vice-ministros, incluindo os dirigentes
do Departamento de Assuntos Religiosos, dentro do Palácio
da Revolução, a sede do governo de Cuba.
Finalmente, em março de 2013 ocorreu o 7o Congresso Espírita
Mundial, que foi um sucesso de participação, e com
o apoio do governo, com a presença significativa de cubanos
de várias partes do país. A imprensa espírita
deu destaque ao evento. Houve também um pré-Congresso
na Região Leste de Cuba, com palestras e visitas a instituições
espíritas de Manzanillo, Bayamo e Sierra Maestra, região
onde se concentra a maioria dos espíritas do país.
Para o Congresso foi ofertado um "container" de livros
editados em espanhol pelo CEI e pelo IDE em parceria com a Editora
venezuelana Mensaje Fraternal, para distribuição
aos mais de 500 grupos espíritas em funcionamento naquele
país. O CEI e a FEB doaram uma edição especial
em parceria, em espanhol, de O evangelho segundo o espiritismo,
entregue a todos os congressistas.
Na primeira metade do Século XX havia um bem desenvolvido
movimento espírita em Cuba, inclusive com realização
de eventos nacionais. Houve um interregno em função
da política então vigente sobre cultos religiosos.
Desde a inesperada audiência com o ministro cubano até
a realização do marcante Congresso Mundial, onde comparecemos
como presidente da FEB, sentimos que no espaço de 21 anos,
ocorreram muitas transformações no tocante à
liberação dos cultos religiosos e a busca pelo Espiritismo
se manteve e se expandiu.
(*) Ex-presidente da FEB e ex-membro da Comissão
Executiva do CEI.
(**) Síntese do artigo: Carvalho, Antonio Cesar Perri. Cultos
religiosos em Cuba. Revista internacional de espiritismo.
Ano LXVII. No. 3. Abril de 1992. P.81-82.



Fotos - Congresso Espírita Mundial;
Cuba-homenagem 2013; Busto de Kardec, César Perri, Edwin
e Villarraga