Após
deixarmos os encargos na FEB, voltamos a ter contato com algumas
realidades mais próximas de situações de vida
das pessoas que habitam a periferia de grandes cidades.
Atualmente, em atividade junto a um Centro Espírita que atua
em bairro e que presta apoio a famílias carentes, integramos
a equipe que visita lares. Várias situações
dramáticas vieram à tona. Entre elas, em visita a
um casebre extremamente precário, próximo a uma ribanceira
– e, paradoxalmente, com vista a distância para um belo
bairro da cidade – vários dramas estavam presentes.
A senhora responsável pela família, já com
mais de 40 anos, estava grávida. Relatou que a gestação
era resultante de violência sexual, mas que ela se recusou
a praticar o aborto porque entendia que a criança não
tinha nada a haver com a triste ocorrência. Um de seus filhos
foi levado à força para o Estado de origem de antigo
companheiro. O casal de filhos adolescentes, que conhecemos, também
já tinham sido vítimas de violência sexual.
A impunidade de tanta tragédia se oculta pela localização
da “moradia” e de seus “vigilantes”... Além
do apoio material e moral, o grupo espírita visitante presta
também apoio espiritual. Ao se abrir O evangelho segundo
o espiritismo – e que coincidência - foi lida a
página “Os infortúnios ocultos” (Cap.XIII),
seguida de uma prece.
Em outro momento totalmente distinto, precisamos comparecer a um
órgão previdenciário, em momentos de demanda
reprimida após uma greve, tendo sido agendado nosso comparecimento
em agência de bairro periférico. Ao chegarmos ao local,
enquanto aguardávamos nosso atendimento, observávamos
o público presente: que tristeza! Pessoas idosas, doentes,
com deficiências de locomoção; mães com
crianças no colo e nas mãos... A aparência geral
era sugestiva de vida extremamente difícil. E o detalhe extra,
pois imaginávamos o óbvio, de que os presentes ali
chegaram vencendo ainda distâncias grandes a pé ou
de ônibus.
De outra feita, em outro ambiente, nos saguões de hospitais,
observamos a situação terrível dos usuários
da assistência de saúde estatal e a brutal diferença
dos que tem garantia financeira ou de um razoável plano de
saúde. Estes, em poucos minutos, passam pela burocracia do
atendimento inicial e já tem acesso até a exames e
tratamentos sofisticados.
Nesses três “flashes” vivenciados em poucos meses
- um autêntico “choque de realidades” - provocaram-nos
profundas reflexões sobre o papel dos espíritas junto
ao meio social, e fazendo-se recordar, meio século atrás,
quando nos períodos de adolescência e juventude labutávamos
com nossa família na Instituição Nosso Lar
– que vimos nascer – localizada num então bairro
periférico da cidade de Araçatuba (SP).
Mesmo considerando as alterações que o país
e o movimento espírita sofreram nesse período de tempo,
há necessidade de se refletir sobre a atuação
dos espíritas junto aos segmentos mais simples de nossa população.
E há componentes agravados pela maior violência e pela
disseminação das drogas e também há
indícios de que há algumas incompatibilidades entre
propostas e realidades.
Os Centros Espíritas – que representam a base do Movimento
Espírita –, local onde as ações se corporificam,
devem merecer atenção de seus dirigentes promovendo
estudos, análises e diálogos, sobre as demandas da
cidade ou dos bairros de uma cidade, sobre a adequação
dos planos de trabalho – atendendo todas as faixas etárias
e sociais – à efetiva realidade em que se encontram
inseridos.
Em momentos preditos como o do “Consolador Prometido”
são sugestivas as ações dos primeiros agrupamentos
cristãos, reportados por Emmanuel nos livros Paulo e
Estêvão, 50 anos depois e em Ave,
Cristo! O registro do ex doutor da Lei é muito oportuno,
ao se tornar homem do povo como na condição do apóstolo
Paulo e que ele registrou na acima citada I Epístola aos
Coríntios. (1)
Com essas anotações reiteramos as preocupações
já externadas em Correio Fraterno do ABC (3)
e na Revista Internacional de Espiritismo (4),
onde registramos experiências notáveis de Espiritismo
em ambientes simples, respectivamente, no Brasil, incluindo o exemplo
de Chico Xavier, e na Guatemala.
Referências:
1. I Cor., 9.22-23.
2. Kardec, Allan. Trad. Ribeiro, Guillon. O livro
dos médiuns. Item 350. Brasília: FEB.
3. Carvalho, Antonio Cesar Perri. Espiritismo em ambientes simples.
Correio Fraterno do ABC. Edição julho-agosto de 2015,
p.7.
4. Carvalho, Antonio Cesar Perri. Junto aos simples
nas montanhas da Guatemala. Revista Internacional de Espiritismo.
Edição de setembro de 2015, p.445.

Chico Xavier conversando com o repórter
de “O Globo”, Clementino Alencar,
que fez várias reportagens para o jornal do Rio de Janeiro,
no ano de 1935.
Foto ilustrativa de uma das reportagens, realizada em Pedro Leopoldo,
MG,
republicada no livro Notáveis Reportagens com Chico Xavier,
IDE, Araras, SP.
Com colaboração de Leopoldo Zanardi.