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As políticas de saúde
mental são pautadas em ideologias da década de 70. Transtornos
mentais são comuns demais para ainda termos preconceito
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RODRIGO BRESSAN, doutor pela Universidade
de Londres, é professor de medicina e coordenador do Programa
de Esquizofrenia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)
Neste 18 de maio de 2014,
é celebrado o dia da Luta Antimanicomial. Avanços
foram obtidos nesta década de vigência da lei da reforma
psiquiátrica. Em vez de continuarem à margem nos hospitais
psiquiátricos, os portadores de transtornos mentais graves passaram
a ser atendidos em ambulatórios ou nos Caps (Centros de Atenção
Psicossocial). No entanto, essas políticas estão anacrônicas
e privam os pacientes dos melhores tratamentos.
O diagnóstico de um transtorno
mental grave como a esquizofrenia é frequentemente entendido
como uma sentença de comprometimento da vida em sociedade. A
ciência mostra, porém, que o diagnóstico é
o eixo articulador de estratégias terapêuticas para a remissão
de sintomas e a reabilitação das pessoas.
Diversos trabalhos científicos
demonstram de forma inequívoca que a esquizofrenia afeta a formação
de redes neurológicas e que a dopamina, substância que
promove a conexão de algumas vias neuronais, desregula-se, determinando
a ocorrência de sintomas psicóticos como delírios
e alucinações. Quando uma pessoa com esquizofrenia diz
estar ouvindo vozes de alienígenas, essas vozes existem, não
são loucura.
Estudos mostram que o cérebro
dessa pessoa produz as vozes, portanto, ela as está ouvindo,
mas não consegue ativar áreas que permitem perceber serem
uma criação. Assim, a pessoa tende a se desorganizar e
fazer coisas que normalmente caracterizamos como loucuras.
Medicações são
capazes de bloquear o aumento da atividade da dopamina, levando a uma
redução dos delírios. Esse tratamento é
fundamental para o início de um processo de reabilitação.
Estima-se que 1% da população mundial tenha esquizofrenia
e os recursos gastos no tratamento da doença em países
desenvolvidos são maiores do que os destinados ao tratamento
de todos os tipos de câncer somados.
É fundamental que o tratamento
seja de longo prazo, pois o foco é tanto a reabilitação
quanto a prevenção. A cada recaída, o paciente
tem pioras significativas, necessitando de doses mais altas de medicação
e eventualmente de internações psiquiátricas. Há
um progresso da deterioração das alterações
cerebrais e todo o processo de reabilitação volta à
estaca zero até que haja controle dos sintomas psicóticos.
Com a progressão da doença,
30% dos pacientes ficam refratários às medicações
convencionais e só o uso da clozapina permite o controle da doença.
Isso é o que preconiza a abordagem contemporânea do transtorno.
Para pacientes com dificuldade de adesão, chegaram medicações
de última geração que podem ser injetadas mensalmente,
reduzindo o desgaste da tomada via oral.
Dados do Programa de Esquizofrenia da
Universidade Federal de São Paulo avaliando Caps da região
metropolitana de São Paulo confirmam que 30% dos pacientes com
esquizofrenia são refratários ao tratamento (não
respondem positivamente à medicação). Destes, 27%
tomam clozapina - portanto, 73% dos pacientes refratários são
negligenciados. A clozapina é fornecida pelo Estado gratuitamente.
Por que não é utilizada adequadamente?
As políticas de saúde
mental implementadas são pautadas em ideologias da década
de 70, não incorporam os avanços das neurociências.
Os transtornos mentais são comuns demais para que continuemos
a vê-los com preconceito. São doenças como quaisquer
outras, mas que têm a peculiaridade de afetar o órgão
do corpo que nos diz quem somos.
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/166461-esquizofrenia-ideologia-versus-ciencia.shtml