Carlos
Alberto Iglesia Bernardo
> Fénelon – Vida e Obra
Retrato de Fénelon pintado por Joseph
Vivien (1657-1734)
François de Salignac de
la Mothe
Introdução (1)
Fénelon nasceu (2)
em 6 de agosto de 1651 no Chateau de Fénelon (Périgord
– França) e desencarnou
em Cambrai em 7 de janeiro de 1715. Sua família era da nobreza,
ilustre nas armas e na diplomacia, mas empobrecida. Sendo um dos
filhos menores, seguindo um costume da época, ele foi destinado
para a carreira eclesiástica e diz-se que começou
seus estudos no colégio dos Jesuitas em Cahors. Continuou
os Estudos junto aos Jesuítas em Paris e manteve contatos
com o seminário de Saint-Sulpice.
Na sua existência terrena foi um orador, escritor e prelado
frânces de grande influência. É considerado um
precursor do Iluminismo e na pedagogia propôs idéias
que seriam desenvolvidas por Rosseau e Pestalozzi. Contemporâneo
de Luis XIV (5 de setembro de 1658
– 1 de setembro de 1715), o “Rei
Sol”, viveu o apogeu do Antigo Regime frânces. Foi preceptor
do filho mais novo do rei e herdeiro do trono, o Duque de Borgonha,
que desencarnou em 1712 sem chegar a assumir o trono. Suas obras
são reeditadas na França até nossos dias e
continuam a ser estudadas nas escolas como veículos para
compreender a antiguidade clássica, a moral e as regras da
arte de escrever. Jacques Le Brun, apresentando o volume com as
obras Completas de Fénelon, diz que há em seus textos
uma elegância inimitável, uma discreta sensibilidade
pela beleza e uma harmonia entre a herança cultural e o moderno.
Como espírito, fez parte do grupo que acompanhou Kardec na
Codificação Espírita. Assinou juntamente com
outros espíritos ilustres o “Prolegônemos”
de “O Livro dos Espíritos” e mensagens suas foram
publicadas nas obras básicas e na Revista Espírita.
Fénelon se torna conhecido
Fénelon em muitos aspectos foi um homem de seu tempo, nascido
em uma época e país onde a religião tinha uma
importância para a vida das pessoas que é dificil de
ser compreendida em nossos dias, foi Católico sincero. Mas
defendeu o Catolicismo com eloquência, nunca com fanatismo,
os sermões que restaram e os escritos que deixou mostram
uma argumentação bem montada, sempre na busca do esclarecimento
do ouvinte e nunca atacando-o. Neste aspecto pode-se dizer que destou
de seus contemporâneos, pois enquanto governos e os povos
ainda matavam pelas diferenças religiosas, a tolerância
com os que tinham idéias diferentes da sua e a afabilidade
com todos com que lidava foram traços marcantes de sua personalidade.
No século XVIII, antes da Revolução Francesa
(1789), a Igreja era o único lugar onde a multidão
podia ouvir grandes oradores. Existiam os sermões de quaresma,
as grandes festas e os elogios fúnebres. O historiador Jacques
Wilhelm (WILHELM, 1988)
observa que enquanto as almas simples procuravam sobretudo as verdades
da religião e uma exortação ao bem, as pessoas
cultas buscavam também a perfeição da linguagem
e a riqueza das idéias.
Fénelon, já no começo de sua carreira eclesiástica,
chamou a atenção pela beleza e perfeição
de seus sermões e foi nomeado em 1678 para diretor do “Institute
des Nouvelles Catholiques” (Instituto dos Católicos
Novos). Este instituição buscava reeducar na religião
Católica as jovens de familias protestantes que haviam se
convertido ao Catolicismo. Suas experiências pedagógicas
o levaram a escrever em 1681 o livro “Traité de l’éducation
des filles” (Tratado sobre a Educação de Meninas).
Essa experiência lhe trouxe alguns problemas, pois a moderação
com que tratava os protestantes e a recusa em impor aos convertidos
práticas devocionacias exageradas ou desnecessárias,
provocou inimizades e acusações de simpatia pelo Jansenismo.
Em 1685 ele escreveu uma obra teológica em refutação
ao Jansenismo. Esta corrente religiosa defendia posições
diferentes das adotadas pelo Catolicismo na relação
do “Livre Arbitrio” e da “Graça Divina”
com a questão da salvação humana. O livro se
chamava le “Traité de l’existence de Dieu et
de la réfutation du système de Malebranche sur la
nature et sur la Grâce” (Tratado sobre a existência
de Deus e de refutação ao sistema de Malebranche sobre
a Natureza e a Graça).
Neste ano ele também viajou algumas vezes em missão
de pregação. Luis XIV foi o responsável por
estas viagens. Ele revogou o Édito de Nantes promulgado pelo
rei Henrique IV em 13 de abril de 1598 que reconhecia os direitos
religiosos e políticos dos protestantes na França
e, entre outras medidas para convertê-los ao Catolicismo,
enviou oradores brilhantes em missões de pregação
pelas provincias onde eles tinham grande representatividade.
A reação imediata ao fim da tolerância limitada
garantida pelo Édito de Nantes foi a migração
em massa dos Huguenotes (como eram chamados os Protestantes franceses)
para outros países da Europa e para a América. Cerca
de 300.000 deixaram a França nessa época. Cultos e
laboriosos, sua saída trouxe consequências graves para
a economia francesa e, em conjunto com as continuas guerras travadas
contra outras potências européias, agravou a miséria
no campo e nas cidades.
O Quietismo e a Corte
Em 1684
chegou na França uma nova querela teológica a partir
de uma doutrina pregada por Madame Guyon (Jeanne Marie Bouvier de
La Mothe-Guyon, 13 de abril de 1638 – 9 de junho de 1717).
Extremamente piedosa, ela tinha visões desde os 5 anos de
idade e expôs suas idéias em uma obra de 1684 intitulada
“Moyen court et très facile pour l’oraison”
(Meio rápido e simples para orar). Ela era adepta do “Quietismo”,
movimento iniciado pelo teólogo espanhol Miguel de Molinos
(nasceu em 1628 e morreu em Roma, na prisão, em dezembro
de 1696). O Quietismo era assim chamado porque valorizava o estado
de quietude interior e confiança em Deus em detrimento das
práticas exteriores e da liturgia. É muito semelhante
com as idéias de Juan de La Cruz (1542-1591) e de Teresa
de Jesus (1515-1582). O Quietismo foi condenado como heresia em
1687 pelo Papa Inocêncio XI (1676-1689) na bula “Coelestis
Pastor”.
Fénelon é apresentado a Madame de Maintenon, casada
secretamente com Luis XIV, em 1688 e se torna seu conselheiro espiritual.
É através de Madame de Maintenon que ele toma conhecimento
das idéias de Madame Guyon, vindo a conhecê-la no inverno
de 1688-1689. As idéias de Madame Guyon causam profunda impressão
a Fénelon e durante os anos seguintes ele mantem correspondência
com ela.
Em 1689 Fénelon é indicado para preceptor do herdeiro
do trono, que estava então com sete anos de idade, e inicia
nova etapa em sua vida. É uma fase fecunda, em que escreve
suas principais obras literarias e em que exerce sua maior influência
política e religiosa. Principalmente ele procurou formar
moralmente o herdeiro real, orientando-o para que se tornasse um
bom governante.
Em 1693 ele foi admitido na Acadêmia Francesa. Para a instrução
de seu aluno real ele escreve a partir de 1694 “les Dialogues
des Morts” (Os Dialogos dos Mortos), “les Fables”
(as Fábulas) e os contos que compõe “Les Aventures
de Télémaque, fils d’Ulysse” (As aventuras
deTelemáco, filho de Ulisses (3).
Esse período brilhante da vida de Fénelon atinge seu
apogeu em 4 de fevereiro de 1695 quando ele foi nomeado Arcebispo
da diocese de Cambrai.
Os problemas políticos e o banimento
A situação de Fénelon começa a se reverter
quando ele se opõe a Bousset – uma das principais vozes
do episcopado francês no reinado de Luis XIV – na questão
do Quietismo e escreve um texto em defesa de Madame Guyon, “Explication
des maximes des saints sur la vie intérieure” (Explicação
das máximas dos santos sobre a vida interior – 1697)
que acaba sendo condenado pelo Papa Inocêncio XII. A pregação
de Fénelon também começa a gerar inqueitação
na corte e nos meios religiosos, sua defesa das idéias quietistas
gera uma efervescência espiritual que é mal vista pela
hierarquia da Igreja.
O Catolicismo era a religião de estado na França do
Antigo Regime e os dois poderes, o civil e o eclesiástico
exerciam um controle rigoroso das consciências. A Igreja prestava
serviço ao poder político legitimando-o e apoiando
a ordem estabelecida de todas as formas e, por outro lado, a monarquia
a defendia, mantendo-lhe os privilégios e reprimindo com
todo rigor quem se afastasse dela. Assim religião e a política
estavam de tal forma ligadas no reinado de Luis XIV que Madame Guyon
acabou sendo considerada inimiga do estado e presa em 1698. Por
acreditar que era possivel ligar o ser humano a Deus diretamente,
sem intermediação da Igreja, permaneceu 5 anos encarcerada
na Bastilha e depois foi banida para Blois.
Como dito acima, Fénelon ao escrever a obra Telêmaco
criou um verdadeiro programa de educação moral para
seu aluno. O objetivo da obra era formar-lhe o caráter para
que, ao assumir o trono, fosse um bom governante, sem fanatismos
e preocupado com o bem estar do seu povo. O problema é que
assim que em 1698 começaram a circular na corte as primeiras
cópias do texto, Luis XIV a viu como uma critíca direta
a seu comportamento e a sua política.
Em janeiro de 1699 Fénelon foi afastado de seu cargo de preceptor
do herdeiro ao trono. Em maio de 1699, quando Telêmaco é
publicado, Fénelon é banido da Corte. Aceitando com
humildade o revés em sua situação retirou-se
para sua diocese. A partir de então viveu uma vida regular
e austera, ritmado pelas visitas as paroquias de sua diocese, as
suas predicações e homilias aos seminaristas. Ao redor
de Fénelon ficaram a familia e os amigos. Deu conselhos políticos
aos que o procuraram nas crises por que passou a França nos
últimos anos de Luis XIV, mas o rei não lhe permitiu
jamais voltar a Paris e recusou todos os pedidos que lhe foram feitos
neste sentido.
Desencarnou em 1715 deixando muitas obras – em geral sobre
assuntos políticos, de educação e de religião
– e a fama de homem de bem que persiste até nossos
dias.
Fénelon – Espírito
As mensagens de Fénelon, registradas nas obras básicas
e na Revista Espírita, mostram que a formação
moral do homem terrestre continua sendo o centro de suas atividades.
É o educador e conselheiro, profundo conhecedor do ser humano,
que com sua característica benevolência segue trabalhando
no plano espiritual. Transcrevemos abaixo a resposta de Fénelon
à questão 917 do “O Livro dos Espíritos”
(tradução de J. Herculano Pires,
edição FEESP):
“Qual é o
meio de se destruir o egoísmo?
De todas as imperfeições
humanas, a mais difícil de desenraizar é o egoísmo,
porque se liga à influência da matéria, da
qual o homem, ainda muito próximo da sua origem, não
pode libertar-se. Tudo concorre para entreter essa influência;
suas leis, sua organização social, sua educação.
O egoísmo se enfraquecerá com a predominância
da vida moral sobre a vida material, e sobretudo com a compreensão
que o Espiritismo vos dá quanto ao vosso estado futuro
real e não desfigurado pelas ficções alegóricas.
O Espiritismo bem compreendido, quando estiver identificado com
os costumes e as crenças, transformará os hábitos,
as usanças e as relações sociais. O egoísmo
se funda na importância da personalidade; ora, o Espiritismo
bem compreendido, repito-o, faz ver as coisas de tão alto
que o sentimento da personalidade desaparece de alguma forma perante
a imensidade. Ao destruir essa importância, ou pelo menos
ao fazer ver a personalidade naquilo que de fato ela é,
ele combate necessariamente o egoísmo.
É o contato que o homem
experimenta do egoísmo dos outros que o torna geralmente
egoísta, porque sente a necessidade de se pôr na
defensiva. Vendo que os outros pensam em si mesmos e não
nele, é levado a ocupar-se de si mesmo mais que dos outros.
Que o princípio da caridade e da fraternidade seja a base
das instituições sociais, das relações
legais de povo para povo e de homem para homem, e este pensará
menos em si mesmo quando vir que os outros o fazem; sofrerá,
assim, a influência moralizadora do exemplo e do contato.
Em face do atual desdobramento do egoísmo é necessária
uma verdadeira virtude para abdicar da própria personalidade
em proveito dos outros, que em geral não o reconhecem.
É a esses, sobretudo, que possuem essa virtude, que está
aberto o reino dos céus; a eles sobretudo está reservada
a felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo que no dia
do juízo quem quer que não tenha pensado senão
em si mesmo será posto de lado e sofrerá no abandono.”
FÉNELON
Adendo
A identificação precisa
de um espírito é uma questão bastante complexa
e sujeita a controvérsias, principalmente quando se trata
de espíritos que granjearam tanta estima como Fénelon.
O melhor critério a ser seguido, é ainda o proposto
por Allan Kardec (4), de analisarmos
o conteúdo das mensagens, seu fundo moral e a elevação
das ideias apresentadas.
Tendo isto em mente e, que não
há razões para acreditar que os espíritos que
se comunicaram nos dias de Kardec não possam voltar a fazê-lo
nos nossos dias, gostaria de acrescentar ao texto desta biografia
a anotação de que as orientações de
um espírito amigo, que se apresentou desde o início
como Fénelon, colaboraram para a criação pelo
Raul Franzolim do grupo de estudos GEAE na Internet, em 1992, e
em outros momentos do grupo. O teor destas orientações,
citadas pelo Raul (5) e algumas vezes
publicadas como artigos, bem como os rumos que imprimiram ao grupo[6],
são compatíveis com o que conhecemos sobre Fénelon.
Bibliografia
ARNAULT e LANCELOT. Gramática
de Port-Royal. Tradução de Bruno Fregni Bassetto e Henrique
Graciano Muracho. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
(Este livro traz uma boa introdução sobre o Jansenismo).
FÉNELON. Oeuvres. Compilação e
Introdução de Jacques Le Brun. França: Éditions
Gallimard, 1983
FILHO. J. A. Índice Bio-Bibliográfico.
In: Vol. XVIII da coleção das Obras Completas de Allan
Kardec. São Paulo: EDICEL, 1976.
FRANZOLIN, Raul. Primeiro Aniversario do GEAE, in:
Boletim 57.
Disponível em: http://geae.net.br/images/Boletins/geae057.txt.
Acesso em 04 de abril de 2016.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução
de J. Herculano Pires. São Paulo: FEESP.
__. O Livro dos Médiuns. Tradução
de Salvador Gentile. Araras (SP): IDE, 85a edição, 2008.
WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec.
Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira,
1979
WIKIPEDIA. François Fénelon. In: Wikipedia,
the free encyclopedia.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ois_F%C3%A9nelon>.
Acesso em 04 de abril de 2016.
WILHELM. J. Paris no Tempo do Rei Sol. Tradução
Cassia R. da Silveira e Denise Moreno Pegorim. São Paulo: Companhia
das Letras, 1988.
Observações
[1] Escrevi esta biografia há
alguns anos, em 2006, para publicação no boletim 509 do
GEAE
e na página de biografias
do GEAE. Para esta atualização, publicada no BLOG
L´Avenir, refiz a formatação do texto, atualizei
os links e inclui um adendo.
[2] No artigo original eu observava que
esta data poderia ser também a do batismo. A fonte da informação
é uma anotação de Jacques Le Brun, apresentada
na cronologia incluída nas Obras Completas e baseada na correspondência
de Fénelon: “la date traditionnelle, 6 août 1651,
peut être celle du baptême; voir Correspondence, t. III,
p. 480”. [FENELON, 1983]
[3] Em 1830, o Prof. Rivail (Allan Kardec)
traduziu para o alemão os três primeiros livros da obra
“Telemâco” de Fénelon (1651-1715) [WANTUIL
e THIESEN, 1979]
[4] “Julgam-se os Espíritos,
como os homens, pela sua linguagem. Se um Espírito se apresenta
com o nome de Fénelon, por exemplo, e diga trivialidades e puerilidades,
é bem certo que esse não pode ser ele; mas se não
diz senão coisas dignas do caráter de Fénelon e
que este não desaprovaria, há, senão uma prova
material, pelo menos toda a probabilidade moral de que deva ser ele.
É neste caso, sobretudo, que a identidade real é uma questão
acessória; do momento em que o Espírito não diz
senão boas coisas, pouco importa o nome sob o qual elas são
dadas.” Allan Kardec (O Livro dos Médiuns: cap. 24 –
Identidade dos Espíritos)
[5] Vide por exemplo o texto comemorativo
do primeiro
aniversário do grupo [FRANZOLIN, 2016]
[6] O Grupo
de Estudos Avançados Espíritas (GEAE), recebeu
este nome por avançar em uma fronteira tecnológica que
na época ainda era muito nova e de potenciais desconhecidos.
No final dos anos 90, seus boletins chegavam pela Internet a mais de
2.500 pessoas em vários países, sendo uma experiência
muito interessante do uso das novas tecnologias na comunicação
da Doutrina Espírita. O grupo continua atuando pelo Facebook
e pela sua página WEB.
Fonte: http://lavenir.educacao.ws/index.php/2016/04/04/fenelon/
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- http://lavenir.educacao.ws -
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