A necessidade do Controle
de Qualidade nos Centros Espíritas
"AMADOS, não creiais a todo
o espírito, mas provai se os espíritos são
de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm
levantado no mundo."
(I João 4:1)
"E conhecereis a verdade, e
a verdade vos libertará."
(João 8:32)
Em 28 de outubro de 2004, quinta-feira,
fiquei curioso quando a TV anunciou que um deputado federal havia
"incorporado" um espírito durante
os trabalhos legislativos. Aguardei a notícia cuja reportagem
gravei, sendo comentário final o seguinte:
"- Ao Jornal da Globo
o deputado disse por telefone, agora a pouco, que é médium
e freqüentemente incorpora espíritos em momentos de
oração. Luiz Bassuma disse que não sabe identificar
o espírito que se manifestou na sua oração
no Congresso Nacional."
Pois, bem.
Já há muito tempo
que me defronto com dois problemas: a veracidade e os objetivos
reais das comunicações mediúnicas, sua utilidade.
Assim, o episódio envolvendo o deputado federal Luiz Bassuma,
do PT-BA, reabriu e aprofundou questionamentos.
Sabemos que o fenômeno
mediúnico não ocorre sem consentimento do médium,
exceto em caso de obsessão. Isto é, se o deputado
não desse passividade ao espírito comunicante, não
haveria a manifestação registrada no Congresso Nacional.
Então, que tipo de comportamento é este, tanto do
médium-deputado, quanto do espírito comunicante, que
inclusive se "incorpora", vira-e-mexe, em "momentos
de oração", e quais os objetivos daquela
manifestação?
Ressalte-se que pela prece proferida pelo médium
Bassuma não se pode reconhecer um espírito inferior,
mas também não se pode interpretar como discurso de
um espírito superior. Aos interessados, sugiro que façam
download do áudio da manifestação no site da
Câmara dos Deputados - www.camara.gov.br -, ouçam e
tirem suas próprias conclusões. Também me disponho
a gravar em CD e enviar pelo preço de custo, dois reais,
mais correio.
Mas, admitamos que a manifestação
não foi provocada por um obsessor e sim por um espírito-espírita.
Exatamente por isso é que se acentuou minha preocupação.
Isso porque, segundo consta, dentre outros, dos livros "Dr.
Odilon" e "Liceu da Mediunidade",
de Carlos Antonio Baccelli e Paulino Garcia (deputado federal por
São Paulo, desencarnado em maio de 1993), publicados pela
Didier, de Votuporanga, SP - páginas 123 até 131 -
e LEEPP, de Uberaba, MG, - páginas 191 até 214 - existem
espíritos-espíritas que dominam certas instituições
agindo à margem da codificação. Mais informações,
veja em www.baccelli.com.br.
Quer dizer, o fato de um espírito, encarnado ou desencarnado,
recitar o pentateuco kardequiano não é o suficiente
para qualificá-lo como comprometido com a perspectiva de
emancipação das criaturas sob o jugo de Jesus. Aliás,
isso não é novidade. Ao longo da história,
grandes intérpretes do pensamento, dos discursos e exemplos
de Jesus sempre agiram contra seu ensinamento básico que
é o amor pela renúncia de si mesmo em favor do próximo.
Que o digam as Cruzadas, a ação do Tribunal do Santo
Ofício da Inquisição, o massacre dos milhares
agrupados em torno do Arraial de Canudos ou as nefastas conseqüências
das "Marchas da Família, com Deus e pela Liberdade"
que desaguaram na Ditadura Militar de 1964, por exemplo.
Ainda hoje, nas mais variadas escolas de interpretação
do cristianismo, é o que ocorre. Ora, um presidente protestante
norte-americano diz que vai "combater o eixo do mal"
e desencadeia desgraças através de guerras no Oriente.
Ora, é a vez de um presidente católico brasileiro
dizer que "não é Deus e não faz milagres",
para com isso justificar a traição de seus públicos
compromissos com as maiorias que sofrem à margem dos descaminhos
da república. E um presidente não é um indivíduo
isolado, mas representante de todo um Estado.
A verdade é que a vida, inclusive
nas mais variadas dimensões existenciais, é muito
mais prosaica do que possa parecer a um primeiro exame. Quando a
"morte" nos colhe, partimos exatamente com as concepções
que alimentamos no mundo e vamos nos reunir aos que pensam e agem
da mesma maneira dos lados de lá.
Então, é preciso cautela
quanto ao conteúdo e a forma de uma manifestação
mediúnica, assim como sua veracidade e utilidade. No caso
do deputado Bassuma, ainda não cheguei a uma conclusão
definitiva, exceto de que há algum problema que precisa ser
mais bem examinado.
Contudo, a manifestação
no Congresso Nacional não é o único caso questionável
nos arraiais espíritas. A seguir, citarei outros exemplos
de manifestações mediúnicas questionáveis
para sua reflexão, caro/a leitor/a. Aliás, peço-lhe
que não acredite em nada do que estou escrevendo. Verifique
você mesmo. Faça seus testes e tire suas próprias
conclusões. Se puder fazer a gentileza de me enviar o que
concluiu, terei máximo interesse em ler e manter o diálogo
mais produtivo possível. Entretanto, para aqueles que não
se interessarem por uma conversa franca, leal e fraterna, faço
desde já meu o lema do grande poeta florentino, Dante Alighieri:
Segui il tuo corso e lascia dir la genti!
PRIMEIRO CASO
O nome do livro é "O
Livro de TOBIAS", publicado desde 1944 pela FEB
- Federação Espírita Brasileira de Brasília/Rio
de Janeiro. O autor da "Introdução",
do "Prefácio" e da "Conclusão",
que começa citando Allan Kardec, é Ismael Gomes Braga.
O livro adota a tese de Roustaing sobre o "corpo fluídico
de Jesus", ou seja, que Jesus não teve um corpo
de "carne e osso" como o nosso, mas era apenas
uma "aparição tangível".
Para Ismael Gomes Braga (já
desencarnado) e seus editores (inclusive os atuais) que continuam
comercializando o livro, assim como os de Roustaing, Jesus não
reencarnou entre nós: era apenas uma aparição
tangível! Francamente, haja imaginação e interesse
em complicar o que é simples de ser compreendido: Jesus é
nosso amigo, um espírito mais evoluído que se dispõe
a nos orientar e jamais faria truques de magia sideral há
dois mil anos ou hoje...
Ele esteve encarnado aqui
exatamente como um de nós. Para quem quiser saber mais sobre
isso recomendo a leitura do livro "Maria de Nazaré",
de autoria de João Nunes Maia e Fernando Miramez de Olívideo
(espírito) e publicado desde 2001 pela editora Fonte Viva
de Belo Horizonte. Segundo os autores, entre nós e Jesus
só há uma diferença: o espermatozóide
utilizado para fecundar o óvulo de Maria foi produzido fora
da nossa dimensão existencial...
SEGUNDO CASO
O nome do livro é "Gestação
da Terra", publicado desde 2002 pela Casa dos
Espíritos Editora de Contagem, MG. Para variar, Allan Kardec
é citado várias vezes. Os autores são: Alex
Zarthú, o Indiano (espírito), Robson Pinheiro (médium
psicógrafo) e Leonardo Möller (revisor). O último
entrou na elaboração do livro, conforme consta do
prefácio, da seguinte forma: "(...) Movido por um
impulso de ânimo e atração pelos temas abordados,
que lembraram os dias da faculdade de História, na Universidade
Federal de Minas Gerais (...) fazendo um paralelo com os registros
da história oficial". Segundo Leonardo, Robson
se dirigiu a ele com o seguinte recado: "- Zarthú
pede-me para transmitir a você o convite para um trabalho
de parceria. Sugere que você faça uma revisão
de toda a obra, tecendo comentários e participando ativamente
de sua elaboração."
Portanto, temos três autores: um "espírito
superior", um médium psicógrafo bem dotado
e um médium revisor com formação em História
numa das maiores Universidades do Hemisfério Sul. No entanto,
falta o mínimo rigor científico à obra, já
que a Ciência da História possui um registro bastante
consensual como aliás reconhece o espírito Emmanuel
em duas obras psicografadas por Francisco Cândido Xavier:
"A caminho da luz" e "O
consolador". E um dos consensos historiográficos
- consenso absoluto, diga-se - é que a Comuna de Paris é
aquele episódio ocorrido em 1871. Entretanto, na citada obra
mediúnica, confusa e carente de sentido, consta a seguinte
afirmação, dentre outros absurdos: "Eliphas
Lévi Zahed (...) Foi preso diversas vezes por sua simpatia
às idéias socialistas da Comuna de Paris (1848)"
(pág. 197 - grifos e destaques meus).
Selecionei este trecho, mas poderia citar
outros, o que não faço por ora, apenas por medida
de economia. O critério foi demonstrar que numa simples data
se registra a inconsistência científica de duzentas
e oitenta e oito páginas. E o que mais nos espanta é
que este livro foi revisado por um médium graduado em História!
TERCEIRO CASO
Por razões e motivos relevantes,
compareci a vários Centros Espíritas com o objetivo
de verificar a veracidade e a utilidade das comunicações
feitas através dos famosos "receituários
mediúnicos" e "orientações
fraternas". Percebi que existe uma variedade muito grande
de serviços nesta área: receitas de medicamentos alopáticos
e homeopáticos, cromoterapia, fitoterapia, orientações
para leituras, passes e consumo de água fluidificada e até
mesmo algumas verdadeiras charadas, textos enigmáticos, para
ser decifradas pelos pacientes.
Em alguns casos, percebi que as
psicografias chegam a ser totalmente ilegíveis e existe uma
equipe de médiuns-intérpretes encarregada de decifrar
os garranchos!!! Em outros casos, no próprio Centro Espírita
existe uma pequena indústria farmacêutica que comercializa
os medicamentos a cinco reais o frasco, conforme receitado por psicofonia
pelos espíritos. Curioso, é que neste caso o rol de
medicamentos é limitado, mas a aplicação é
para toda e qualquer doença e tem até profissional
responsável! Existem também casos de "cromoterapia",
que são uns espaços cercados por lâmpadas coloridas
que fazem um pisca-pisca conforme a receita psicografada: três
azuis, dois verdes, quatro vermelhos, dois brancos e por aí
vai... Enfim, tem de tudo!
Fiquei muito tempo pensando como
é que se poderia conferir se aquilo é verdade ou não
e, depois de muita reflexão, criei um personagem: Cláudio
Manoel da Costa, o poeta inconfidente, residente na Rua Vila Rica
do Ouro Preto (cidade onde ele viveu e desencarnou assassinado),
1789 (ano do desencarne), etc. Disse que era meu tio, estava internado
com um quadro grave de câncer de próstata e sai andando
de Centro Espírita em Centro Espírita, pedindo "receitas"
e "orientações" mediúnicas para meu
personagem inexistente. E qual não foi a minha surpresa quando,
em todos os casos, cem por cento, as receitas foram emitidas!!!
Tem algum problema aí, caro/a
leitor/a...
Não é que a
verdade não exista. Existe sim! Eu mesmo já presenciei
os médiuns Carlos Antonio Baccelli e Francisco Cândido
Xavier psicografando "Cartas Consoladoras"
que não deixam a menor margem de dúvida quanto à
sua autenticidade e utilidade. Porém, este é o trabalho
da minoria... Não é a verdade o que prevalece na comunicação
entre os encarnados e desencarnados, nesse orbe de provas e expiações.
O que ainda prevalece aqui é a MENTIRA, gostemos ou não
disso.
CONCLUSÃO
Limitei-me a expor três casos, mas tenho muitos
outros tão relevantes quanto estes. Porém, não
me peçam para dar uma resposta cabal a estes fatos porque
não a tenho. Só posso afirmar que aqueles que não
se acautelarem - e não submeterem todas as comunicações
mediúnicas ao crivo rigoroso da razão - estarão
abrindo as portas para a fraude. De belos discursos e supostas boas
intenções o mundo está cheio. O fato de um
espírito, encarnado ou desencarnado, citar ensinamentos de
Jesus ou de Allan Kardec não quer dizer nada, pois os falsos
profetas o que mais fazem é isso: são lobos em peles
de cordeiros.
Talvez o problema decorra do entusiasmo natural
de que os espíritas se deixam levar, diante dos conhecimentos
que adquirem. Este entusiasmo, ou seja, quando alguém pensa
que sabe alguma coisa, é o próprio orgulho. Porque
o orgulhoso é exatamente aquele que pensa que sabe algo e
não dá ouvido a ninguém mais, nem à
voz de sua própria consciência. A verdadeira sabedoria
está na humildade de dizer, como Sócrates, precursor
de Jesus: "do que sei é que nada sei".
Além do orgulho, que é antes de tudo
uma atividade humana e não apenas um sentimento, há
também o egoísmo, outra atividade humana, alimentando
este problema da falsidade das comunicações mediúnicas.
É que, via de regra, os Centros Espíritas se fecham
em torno de seus dirigentes no que se refere ao diálogo com
os espíritos, denotando exclusivismo. Os dirigentes pensam
com isso que se tornam alguma espécie de privilegiados, já
que estão acumulando poder na forma de conhecimentos para
esta e para as encarnações futuras. Quanta ganância!
Seja como for, Allan Kardec (1) nos orientou
que é melhor descartar nove verdades do que admitir uma única
mentira e João Evangelista nos alerta (I João 4:1):
"AMADOS, não creiais a todo
o espírito, mas provai se os espíritos são
de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm
levantado no mundo."
E agora,
amigo/a leitor/a? Não é hora de fazer o teste da verdade
e da utilidade em seu Centro Espírita. Invente um/a personagem
e peça uma receita ou orientação para ele/a.
Diante do resultado, que deve ser o esperado, reúna os dirigentes
da casa para um diálogo fraternal, franco e leal. Afinal,
até quando vamos continuar nos enganando e aceitando que
nos enganem? Assim, lembremo-nos mais uma vez de João Evangelista,
desta vez citando Jesus (João 8:32):
"E conhecereis a verdade, e a verdade
vos libertará."
(1) O autor dessa frase (critério) é o Espírito
Erasto, ver in O Livro dos Médiuns, 2ª. parte, cap.
XX, Influência Moral dos Médiuns, item 230, obra
codificada por Allan Kardec. (Nota do A ERA DO ESPÍRITO).
(*) Antonio Baracat (professor de Filosofia
e História)
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