Cavalcanti Bandeira
> Codificação da Umbanda
O texto abaixo foi publicado
em 1973, no livro "O que é a Umbanda", Autoria
de Cavalcanti Bandeira, Editora ECO.
O objetivo de apresentar este texto não é de codificar
e sim de apresentar uma visão no mínimo interessante
de alguém que muito participou, trabalhou e estudou sobre
Umbanda. Também podemos observar que esta preocupação
é antiga dentro da Religião, formalmente se pensa
em "codificação" desde 1941 no primeiro
congresso de Umbanda.
No longo caminho apontando aos crentes,
a Umbanda marcha num sentido evolutivo para a realidade espiritual,
porém necessita ter certa igualdade que possa servir de unidade
doutrinária e permitir a prática semelhante em todos os
Terreiros. Todavia, não deve incorrer no perigo de fixação
em dogmas, tabus ou práticas ultrapassadas sem explicações
lógicas ou aceitação de sua maioria.
O futuro exige a codificação do culto de Umbanda para
não serem perdidos os trabalhos dos Pretos-Velhos e dos Caboclos,
que tanto procuram ensinar aos crentes e dar uma orientação
segura, capaz de evitar as mistificações e deturpações
desses que procuram viver às custas dos Terreiros ou dos que
lá vão buscar um alívio ou um conselho espiritual.
Há ainda aqueles que teimam em ser diferentes e únicos.
Realmente é difícil estabelecer normas básicas
que possam servir de denominador comum aos cultos, como as práticas
orientadas pelos ensinamentos transmitidos pela tradição
oral.
Necessita a Umbanda de ter uma liturgia por todos aceita e seguida,
senão, sofrerá as alterações naturais decorrentes
dessa transformação oral do ensinamento, em função
daquele que transmite e do que ouve.
Participando do II Congresso Brasileiro de Umbanda, reunido no Rio de
Janeiro, em julho de 1961, concorremos com dois trabalhos; um com o
título: “INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA E
ETIMOLÓGICA DO VOCÁBULO UMBANDA”, o outro: “DOGMATISMO
E HIERARQUIA”, que levados a plenário, foram amplamente
discutidos e aprovados pelos Congressistas reunidos nesse conclave.
Apresentamos o trabalho sobre a palavra Umbanda, porque não era
possível que se praticasse um culto, sem definir a origem etimológica
e o significado original da palavra, em virtude de ser ponto básico
definindo o sentido religioso. Nesse Congresso, fomos indicados para
integrar a “Comissão Nacional de Codificação
ao Culto de Umbanda”, e realizando-se a primeira reunião
da Comissão em São Paulo, fomos escolhidos para o cargo
de Relator de Religião que, se foi uma confiança depositada
pelos codificadores, acarretou maiores encargos e responsabilidades
pela extrema seriedade e profundidade do assunto.
Tivemos grande empenho para realizar as tarefas, que não foram
complementadas no tempo previsto, de modo que proposto o III Congresso
Brasileiro de Umbanda, para o ano de 1973, no Rio de Janeiro, fomos
designados para presidir a Comissão Organizadora de tão
importante conclave, que, no mesmo sentido, é mais uma busca
de codificação dos cultos e união dos umbandistas.
Face às divergências encontradas e das dúvidas quanto
às origens e fontes de onde surgiu o culto, que alguns pretendiam
fosse hindu – sem justificar com dados concretos e seguros -,
elaboramos um ensaio histórico, no qual condensamos nosso pensamento
pessoal, porque sem a real raiz histórica não seria possível
desenvolver o tema dentro dos fatos comprovados, evidenciando as fontes
demonstráveis em trabalhos sérios e de outros autores
insuspeitos e imparciais.
Demonstrando a antiguidade do homem e do conhecimento africano; a prática
milenar de sua religiosidade e de suas iniciações; não
quisemos e não queremos, absolutamente, levar a Umbanda para
o africanismo, porque seria uma volta. Mas evidenciar sua origem em
cultos que já de há muito tinham delimitadas a liturgia
e a teogonia de modo preciso, servindo como base histórica, porque
não foram inventadas e nem apareceram de uma noite para o dia,
e sim, subindo a escada evolutiva que lhe permitiu a sucessividade continuada
das épocas.
O roteiro histórico pé necessário para compreender
a realidade panorâmica dos múltiplos rituais e feitios
da Umbanda, como hoje é vista. As contribuições
marcantes de cada origem e a evolução principal processada
precisam ser apontadas, pois, seria embaraçosa a tentativa de
entendimento dos fundamentos iniciais e dos que se queiram imprimir
aos rumos de uma codificação, ainda mais quando pretendem
dar força a lendas não apoiadas pela tradição
secular.
A realização do presente estudo exigiu a leitura da maioria
dos livros Umbandistas, entrevistas com vários seguidores de
diversas religiões e pesquisas em alguns estados do Brasil, inclusive
pedidos de informações a conceituadas organizações
culturais, notadamente de Angola, na África, e a pessoas de renome
nesse campo. Como também a busca em livros sérios de pesquisadores
e de outros que combatem a Umbanda, pois nada afirmamos sem uma base
real; e não aceitamos certas invencionices e artifícios,
fatos comuns quando um assunto repousa em parcelas dispersas de ensinamentos
ensombrados por lendas de múltiplas origens.
Julgamos isso importante para o conhecimento, porque, dá o sentido
da realidade sedimentada através do tempo, embora as modificações
decorrentes da evolução, do sincretismo e da diluição
no passar dos anos, com a assimilação de outras idéias
e conceitos dos grupos raciais em contatos que, por si sós, são
suficiente para escurecer as origens, se vistas superficialmente. Como
afirma o Dr. Oswaldo Santos Ribas, médico em Curitiba:
“Ao tratarmos de uma religião como
a Umbanda, sincretizada das grandes seitas que têm surgido e
cujas origens se perdem nos albores da civilização,
nem sempre poderemos, quer pela sociologia, antropologia, etnografia,
história, etc., basear-nos nos fundamentos ditos cientificamente
aceitos. A verdade é uma só: as leis divinas são
as únicas imutáveis e a evolução é
um dos seus máximos preceitos. Nada se perde e tudo se transforma,
diz a física. Igualmente, assim também é na espiritualidade
e no estudos que nos propomos. Teremos de acompanhar as transformações
sucessivas, ocorridas quanto o próprio modo de religar”.
Debatemos assunto com vários
chefes de culto e realizamos diversas conferências; agradecemos,
pois, o auxílio dado e a ajuda recebida, especialmente aos que
contribuíram com seus conhecimentos iluminados pelas iniciações,
esclarecendo temas tão controvertidos e ainda não definidos
em vários pontos básicos. Falta uma unidade doutrinária,
filosófica e cientifica do que a surgido em nossa literatura,
que ressalta, apenas o lado folclórico, executando-se alguns
livros doutrinários de escritores umbandistas, e de estudiosos
que procuram, com isenção de ânimos, encontrar a
essência que se esconde em meio a problemática das apresentações.
Os diversos caminhos percorridos pelos umbandistas convergem para uma
junção nos cultos praticados, concorrendo, para isso,
os livros e as confraternizações religiosas, como meios
de uma aproximação efetiva e unificadora.
Muito livro há surgido sobre a Umbanda, cada qual tem o direito
de apresentar o lado dessa problemática, pois convenhamos, cada
um lança um facho de luz ao alcance e gosto de determinado grupo,
assim, também, desmancham trevas permitindo uma claridade em
sentido unificador.
Tudo tem uma razão de ser, e cada um segue o caminho que se ajusta
ao seu modo particular de ver e sentir, e através da palavra
é que estabelece essa comunicação que une e congrega.
A Umbanda é uma vasta porta aberta pelos seus rituais, cânticos,
sentidos de popularização e de que o homem participa e
sente diretamente o atendimento ao seu caso; assim a individualização
concorre para uma diversidade de práticas, abrangendo todas as
cultuações.
Nota-se, porém, que há uma linha de continuidade canalizando
os vários afluentes de todas as origens para uma integração
e uma uniformidade de destino num futuro próximo, sendo bem oportuna
a comunicação de Ramatís, através de Hercílio
Maes no livro “Mediunismo”, quando diz:
“A Umbanda que ainda não cimentou
sua unidade doutrinária definitiva, nem afirmou o seu sistema
único de trabalho em todas as latitudes da orbe, através
do seu sincretismo afro-católico, transforma-se num trampolim
favorável aos católicos, protestantes e outros religiosos
dogmáticos para se familiarizarem com os ensinamentos da Reencarnação
e a disciplina da Lei do Carma.
As imagens, os cânticos, o incenso, as velas e as oferendas
dos rituais de Umbanda, algo parecido aos usos da Igreja Católica,
atenuam o medo provinciano dos católicos pelas manifestações
mediúnicas; e pouco a pouco incutem-lhes o gosto pelo conhecimento
da imortalidade do espírito pregada por todas as filosofias
reencarnacionistas”.
“Os chefes, as falanges e a linhas de Umbanda, com seus caboclos,
pretos-velhos e silvícolas apesar da multiplicidade de costumes,
temperamentos e propósitos diferentes do serviço que
executam junto à matéria entrelaçam-se por severos
compromisso, deveres hierárquicos e obrigações
espirituais, que ainda não puderam ser compreendidas satisfatoriamente
pelos seus próprios profitentes. No vasto panorama de relações
entre o plano material e o mundo oculto, alicerçados pelo processo
da magia, no âmbito da Umbanda, ainda repontam combinações
confusas e tolices condenáveis, à conta de elevado comedimento
espiritual. Ainda lutam os umbandistas para alcançar a sua
constituição doutrinária e escoimarem-na das
excrecências ridículas que deformam a sua base esotérica.
Nesse terreno foi mais feliz o Espiritismo, que partiu de uma unidade
concreta e alicerçada por investigações incessantes,
com “testes” mediúnicos que exauriram Kardec mas
o ajudaram a extirpar com êxito as contradições.
Os exotismos e as encenações ridículas da prática
mediúnica desorientada. A Umbanda, portanto, ainda é
o vasilhame fervente em que todos mexem, mas raros conhecem o seu
verdadeiro tempero”.
Nós mesmos sabemos de tanta
coisa que se propala como Umbanda ou em nome da Umbanda; e outras práticas
que todos nós condenamos, porque é preciso realmente sentir
a Umbanda. Ressalta-se, assim, a necessidade de ter “a sua constituição
doutrinária”, a sua codificação básica,
porém elástica em certos aspectos, tendo em vista a diversidade
encontrada em certos aspectos, tendo em vista a diversidade encontrada
que não permite, no momento, a rigidez regular de normas, especialmente,
no tocante a certas alterações de ritual embora, este
deva ter uma linha ajustável e sóbria, sem os exageros
dispensáveis, que mais dificultam a fé do crente do que
favorece o seu aprendizado, ou a difusão para obter adeptos.
Tem de ser o denominador comum, uma orientação ritualística
aproximativa, porém dentro da firmeza filosófica-religiosa,
de modo a evitar desuniões e interpretações errôneas,
fazendo permanente esse pensamento codificador do Dr. Leopoldo Betiol,
médico e engenheiro em Porto Alegre:
“Queremos agora o que quisemos sempre: União,
progresso, entendimento, harmonia, concórdia, paz; cooperação
que sirva para erguer o nível mental da Umbanda, levando-a
ao mais alto ponto de significação moral e doutrinária;
isto que fizemos nossa causa, que nunca foi uma questão de
pessoas que na altura do mérito sempre soubéramos louvar,
acatar e respeitar. Aos que já revelaram sadia compreensão
o nosso cordial muito obrigado. Sei que não faltam trabalhadores
de boa vontade e muita fé, por isso mesmo, por causa da muita
fé, a Umbanda gasta 60 anos para operar uma mudança
do seu nível rasteiro suportando a crítica ferina dos
impostores. É este vexame que nós queremos terminar
se o irmão umbandista quiser cooperar”.
Não é coisa que se possa
fazer de afogadilho, nem em prazo determinado. Prevendo a complexidade
da matéria e vastidão do problema, apresentamos para o
regimento interno da Comissão Nacional de Codificação
do Culto de Umbanda, em 1961, a seguinte emenda:” O trabalho a
ser apresentado pela Comissão será matéria para
discussão e aprovação do Congresso Extraordinário,
como anteprojeto de um código capaz de acompanhar a evolução
e o aperfeiçoa¬mento no decorrer do tempo”.
A preocupação constante de haver de uma orientação
firme para a Umbanda se faz sentir há muito tempo. Já
em 1939, João Freitas dá como diálogo, as suas
idéias cometendo o fanatismo e o homem supersticiosos, que entravam
o desenvolvimento do culto. Afirma que o seu interlocutor refere:
“A necessidade de se observar com precisão
o ritual; e de haver livros e organizações federativas
capazes de evitar as “literatices” prolixas e decepcionantes
que se escondem em oratória e formas vocabulares em verdadeira
oscilação intelectual. Em suma, acabar-se-ão
os charlatães, porque ninguém se arvorará em
chefe de terreiro sem estar devidamente munido de credenciais”.
Confirmando essa preocupação
dominante, os umbandistas reuniram-se no Rio de Janeiro, em 1941, no
I Congresso Brasileiro, quando iniciaram uma sistemática de codificação,
ampliada com a realização II Congresso em 1961, a qual
foi uma constante do temário do III Congresso Brasileiro de Umbanda,
em 1973, pela preocupação máxima das Federações
em obter uma estruturação administrativa e religiosa como
se evidencia no lema adotado: “Organizar para Unir”.
Em 1953, o livro de Emanuel Zespo, intitulado “Codificação
da Lei de Umbanda” que, apesar de insuficiente, demonstra a preocupação
permanente dos sinceros, em querer estruturar os cultos existentes,
dentro de uma base coordenada evitando, assim, abusos e excessos.
Nessa mesma época, Lourenço Braga afirmava o seguinte:
“Se a Umbanda fosse unificada, isto se todos
trabalhassem nos mesmos dias, nas mesmas horas, da mesma forma, com
o mesmo rituais, com os mesmo pontos riscados e os mesmo pontos cantados,
(letras e músicas), etc., seriam os resultados de efeitos maravilhosos,
seria uma sinfonia perfeita de vibrações harmoniosas,
cujas conseqüências, para os filhos da Terra, seriam surpreendentes
e repletas de benefícios; devemos trabalhar para o progresso
da Umbanda, mas de uma Umbanda como deve ser: isenta de materialidade,
de ignorância, de atraso, de práticas condenadas pelo
bom senso. Deve ser pura, elevada e evolucionista. Quando se atinge
um certo grau de progresso espiritual, não é admissível
se retroagir”.
O futuro exige a codificação para
a Umbanda como culto organizado e não se tumultuarem os seguidores
pela contradições de ensinamentos desordenados; nessa
época com conhecimentos científicos em que tudo deve
ser explicado à luz da razão. Com a realização
do III Congresso Brasileiro de Umbanda, em Julho de 1973, foram adotadas
resoluções importantes nesse sentido, especialmente
em relação ao temário do referido conclave, que
estava dividido em dois itens principais: Aspectos doutrinários
e filosóficos e aspectos administrativos e legais.
Foi, assim fundado um Órgão Nacional Interfederativo
agrupando os Estados e Federações respectivas, visando
uma estrutura administrativa metódica e uniforme para todo
o Brasil, bem como foi adotado um só hino, e declarada a data
de 13 de Maio como o Dia Nacional da Umbanda.
A codificação se impõe, especialmente visando
aos que abusam da credulidade alheia para a satisfação
egoística e deturpada de interesses próprios, por vezes,
menos confessáveis, colaborando para o mal maior. Porque sem
amor ao interior que eleva e santifica, surge a hipocrisia de princípios
para o uso externo, apenas convencionais, quando em seu interior procedem
em desacordo com os ensinamentos da sã moral em seu verdadeiro
sentido, pois só vale o sentir; e esse interno baseado na intenção
do ato e, assim, as contas serão apreciadas apenas pela Justiça
Divina, conforme as dívidas contraídas.
Os bons frutos só podem ser dados pelas
boas árvores, de modo que se faz sentir a sintonia do médium
em relação ao trabalho executado ou desejado como nos
ensina Ramatís:
“Cultive cada trabalhador o seu campo
da meditação educando a mente indisciplinada e enriquecendo
os seus próprios valores no domínio do conhecimento,
multiplicando as afinidades com a esfera Superior, e observará
a extensão dos tesouros de serviço que poderá
movimentar em benefício dos seus irmãos e de si mesmo.
Sobretudo, ninguém me engane relativamente ao mecanismo absoluto
em matéria de mediunidade”.
Esclarecendo que o valor real
está na qualidade do médium, que deve ser tolerante e
orientador, e não deve macular a sua vida com os interesses e
caprichos de vaidade pessoal.
Não devemos esquecer um fato importante: Estamos vivendo uma
religião para o futuro e não para o momento presente,
sendo assim, precisamos sentir o pensamento geral e a orientação
seguida; pelo menos o conteúdo doutrinário e a orientação
filosófica devem ser estudados e apreciados de modo seguro e
preciso, porque a promoção é o meio visado para
propagar as idéias e essas devem estar desenvolvidas, permitindo
raciocínio em função da época cientifica
em que vivemos e que possa, por todos ser compreendida, mesmo que não
concordem com o explicado.
Dando uma apreciação de síntese,
visamos principalmente a Codificação do Culto de Umbanda,
mas a certeza de que o pensamento codificador se processará lentamente
através dos anos, numa sedimentação que depende
exclusivamente dos verdadeiros chefes de culto, aos quais cabe essa
grande tarefa e responsabilidade, perante os crentes e a Lei Divina.
Julgamos ter cumprido a missão que, se melhor não o seja,
vale pela intenção e o desejo de vencer a Causa. Procuramos
transmitir a idéia de modo positivo e correto, sem quaisquer
interesses pessoais, ou desejos subalternos de evidências passageiras,
pois estas se perdem no passar dos dias e se confundem no pó
da estrada da vida, porque lampejam por instantes, sem a força
esclarecedora que se proteja no tempo e no espaço.
Fonte: Texto extraído do livro
“O que é a Umbanda” de Cavalcanti Bandeira –
Editora Eco 1973
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